A história recente do continente africano é trágica. Entre o final do século XIX e o início do século XX, enquanto o modo de produção capitalista adentrava sua etapa imperialista, acontecia na África uma corrida brutal pelo estabelecimento de colônias que pudessem suprir matérias-primas e mão-de-obra para a crescente indústria europeia. Países de desenvolvimento tardio, como Itália e Alemanha, não conseguiam competir com economias mais estabelecidas, como de França e Inglaterra. As últimas haviam se estabelecido sobre um vasto império colonial, enquanto as outras viam seu desenvolvimento capitalista limitado justamente pela falta de acesso a colônias.
Em sua obra “Imperialismo, Estágio Superior do Capitalismo”, Lênin dedica um capítulo à “partilha do mundo entre as grandes potências”. Com dados, o revolucionário russo mostra a velocidade do processo de colonização, que acompanha o ritmo da concentração de capital na mão dos monopólios dos países colonizadores. Se em 1876 a porcentagem de território pertencente às potências coloniais era de 10,8% do território africano, em 1900 já era 90,4% (Imperialismo, Estágio Superior do Capitalismo, Vladímir Ilitch Lênin, 1916). Políticos da época, como o empresário britânico Cecil Rhodes, que dominou através de suas empresas a região hoje correspondente a Zâmbia e Zimbábue (antiga Rodésia, em homenagem a seu “dono”), que abertamente defendiam a política imperialista:
“A ideia que calento representa a solução do problema social: para salvar os 40 milhões de habitantes do Reino Unido de uma mortífera guerra civil, nós, os políticos coloniais, devemos nos apoderar de novos territórios para o estabelecimento do excedente da população, para a aquisição de novos mercados para os produtos de nossas fábricas e das nossas minas”, disse Rhodes à época, em citação que Lênin reproduz em seu livro (idem). Rhodes ainda foi primeiro-ministro da África do Sul e ajudou a estabelecer o arcabouço legal que nos anos 1950 se consolidaria na segregação racial institucionalizada, conhecida como apartheid.
Dado que a partilha do mundo já estava completa, os países imperialistas só podiam guerrear entre si para reconfigurar essa partilha segundo sua própria força. A disputa foi resolvida em duas guerras mundiais, das quais os Estados Unidos, pouco expressivo na corrida colonial no início do século XX, emergiu como principal país imperialista.
As guerras e o enfraquecimento dos países colonizadores deu lugar a um período de lutas anticoloniais, e dessa luta, ao final dos anos 1980, praticamente todos os países africanos transformaram-se em nações independentes. O resultado geral foram governos africanos nacionalistas que, no período da Guerra Fria, procuravam uma barganha entre os dois lados do conflito, o imperialismo norte-americano e a União Soviética. A maioria dos países africanos chegou a integrar o Movimento Não Alinhado, fundado em 1961, em Belgrado, pelos chefes de Estado de Iugoslávia, Índia, Gana, Egito e Indonésia.
O poder de barganha desapareceu com o fim da União Soviética em 1989, acompanhado da restauração capitalista na China, a destruição da Iugoslávia e outras tragédias que abriram espaço para a política neoliberal. A África se tornou palco para as piores mazelas do sistema capitalista mundial. No continente, a selvageria imposta pelos monopólios ficou gritante, impondo um duro retrocesso à África independente, que finalmente começa a mostrar sinais de desgaste.
Um desses sinais é a presença de investimento chinês no continente negro. Se em 2003 era de apenas US$ 73,8 milhões, em 2020 já era de US$ 4,2 bilhões. A China tornou-se o quarto maior investidor direto no continente, superando os Estados Unidos, atrás apenas de França, Reino Unido e Holanda. Em empréstimos, principalmente para obras muito necessárias de infraestrutura no continente, estima-se que os chineses tenham oferecido mais de US$ 150 bilhões entre 2009 e 2019, como parte da Iniciativa Cinturão e Rota, projeto também conhecido como Nova Rota da Seda (The Quiet China-Africa Revolution: Chinese Investment, The Diplomat, 22/11/2021).
Outro aspecto importante é a presença russa na África, que cresceu principalmente após a intervenção norte-americana na Líbia, quando grupos fundamentalistas islâmicos aproveitaram-se da queda de um governo forte para expandir sua atuação não apenas no norte do continente, mas na África Sub-Saariana. O combate ao “terrorismo” serviu para justificar a presença de efetivos militares imperialistas na África, que tinham mais interesse em justificar sua presença permanente nos países em que atuavam – protegendo os interesses dos monopólios franceses, canadenses e norte-americanos atuando na região – do que em derrotar seus inimigos. Para suprir a necessidade dos governos nacionalistas africanos, os russos surgiram como alternativa às tropas imperialistas com suas companhias militares privadas, a exemplo do Batalhão Wagner, famoso por sua atuação recente na operação militar russa na Ucrânia.
As sanções recentemente impostas à Rússia, porém, abriram uma nova oportunidade para o país, que viu seu comércio com países africanos crescer 43,5% nos primeiros oito meses de 2023, quando comparado ao mesmo período no ano passado (Russian Ministry Reveals 2023’s Top Five Trading Partners in Africa, Report Says, Sputnik, 30/9/2023).
A atuação sino-russa na África tomou as páginas da imprensa capitalista sob a alcunha de “Nova partilha da África”. Fala-se nos empréstimos abusivos feitos pela China, no autoritarismo patrocinado pelas tropas russas na região, mas a postura hipócrita não se sustenta diante da população africana esmagada por décadas de extorsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) e patrocínio, principalmente norte-americano, de grupos armados reacionários por todo o continente. Rebeliões de caráter nacionalista como as ocorridas no Sael, em Mali, Burquina Fasso e Níger, mostram manifestantes empunhando a bandeira russa e queimando a de seu ex-colonizador, a França.
A crise imperialista deu lugar a uma crise de dominação do continente africano, que recuperou seu poder de barganha com o bloco sino-russo. Da luta anti-colonial dos anos 1960 a 1980, emergiu uma luta anti-imperialista, pelo desenvolvimento econômico africano e por uma independência não apenas formal, mas efetiva de seus ex-colonizadores.
Com este especial, esperamos trazer aos nossos leitores um pouco da situação política atual de cada país, acompanhando a história recente de cada um deles. Organizamos a apresentação em cinco partes, cada uma representando uma das sub-regiões da África segundo divisão organizada pela União Africana.