No dia 19 de novembro de 2023, um vídeo foi publicado nas redes sociais oficiais das Forças Armadas do Iêmen. Nele é possível ver de câmeras em primeira pessoa um grupo de soldados em um helicóptero pousando em um navio de carga, o Galaxy Leader, no Mar Vermelho. Acompanhando o helicóptero estavam pequenas embarcações da marinha iemenita que ajudariam na tomada do navio. É tão impressionante que lembra cenas de um filme ou um jogo eletrônico. Mas o feito visual não se compara com a mudança que essa ação do Iêmen traria na política mundial.
Do dia para a noite o Iêmen estava em todos os jornais do mundo, o Mar Vermelho se tornava o epicentro da crise mundial. E mais que o próprio Iêmen, o que mais a imprensa burguesa comentava era sobre os Hutis, de acordo com eles o grupo rebelde, ou até terrorista, que estava atacando o Estado de “Israel”. Já a imprensa árabe comemorava o grande feito, o Ansar Alá (os Partidários de Deus, uma tradução literal do nome do partido) havia cumprido sua promessa e estavam em guerra total com “Israel” pela libertação da Palestina. Mas a questão é, como o Ansar Alá, até então desconhecido por boa parte do mundo, conseguiu ser tão poderoso a ponto de desafiar o próprio imperialismo no Mar Vermelho?
O nacionalismo do Iêmen
A península arábica hoje possui seis países: Arábia Saudita, Omã, Catar, Barém, Emirados Árabes Unidos e Iêmen. De todos esses, apenas o Iêmen é uma república, além disso, há mais duas monarquias no Oriente Médio, o Cuaite e a Jordânia. O Iêmen, portanto, está muito distante geograficamente dos demais países da região que derrubaram suas monarquias, Síria, Iraque, Egito, Irã e Turquia. Mesmo assim, o seu movimento nacionalista remete ao ápice do nacionalismo árabe, a década de 1950, quando o movimento dos militares egípcios dirigido por Gamal Abdel Nasser derrubou o rei Faruque e proclamou a república.
Quase que exatos 10 anos depois, o oficial iemenita Abdulá al-Salá tentaria seguir os exatos passos de Nasser. Ele organizou a derrubada do rei Mohamed al-Bader, o último rei do Iêmen. Mas, da mesma forma que viria a acontecer décadas depois, o nacionalismo do Iêmen não foi capaz de unificar o país. Ao contrário do Egito, o golpe deu origem a uma guerra civil entre os republicanos e os monarquistas, os republicanos inclusive com apoio militar relevante de Nasser.
A batalha do Iêmen se tornou uma verdadeira frente de guerra entre o nacionalismo árabe e o imperialismo. Alguns chegam a afirmar que seria o Vietnã do Egito. A CIA publicou um documento na época sobre os acontecimentos.
“Nasser está num dilema no Iêmen. O impasse militar é um fardo para os seus recursos e uma afronta ao seu prestígio. Ele preferiria evitar uma anexação total do país. No entanto, ele não consegue garantir um governo dos nativos que seja independente o suficiente, que tenha apoio o suficiente dos iemenitas e que seja dócil o suficiente para ser de confiança para as manobras de Nasser. Em particular como uma base de operações para eliminar a influência britânica de Adem e da Arábia do Sul.
“Nasser provavelmente não irá se retirar. E nós também não acreditamos que ele aceitaria um regime no Iêmen que é menos que um fantoche do Cairo. É possível que ele lance uma campanha maior para esmagar os defensores do rei, mas também é improvável que ele tenha sucesso nessa empreitada. Em qualquer caso, nós duvidamos que ele consiga instalar e manter um governo subserviente no Iêmen. Por algum tempo, pelo menos nós queremos manter o impasse militar, pontuado por uma negociação caótica entre os sauditas e os egípcios em direção a um acordo e com ocasionais batalhas acontecendo. Dado o crescimento antiegípcio entre todos os iemenitas, quanto mais isso durar, mais insatisfatória será a conclusão para Nasser de sua aventura no Iêmen” (Memorando Especial No. 9-65, Os problemas e perspectivas de Nasser no Iêmen, 18/2/1965).
O Iêmen, portanto, é um centro da luta contra o imperialismo há décadas. Isso porque ele apresenta a contradição em um local de enorme importância, a península arábica. A sua população é muito antiga, foi do Iêmen que surgiu o povo árabe. Além disso, seguem o islamismo xiita, da linha zaidi, o que os diferencia da população da península. E por fim, mas não menos importante, o Iêmen é um país onde não há um depósito gigantesco de petróleo, por estar na costa oposta ao Golfo Pérsico. Essa estrutura econômica diferente gera uma estrutura política completamente diferente dos demais países do golfo.
O interessante da análise da CIA é que ela é quase análoga ao que acontece hoje com o Iêmen, mas ao invés de Nasser, foram os sauditas, e agora o imperialismo que está no pântano e será derrotado. Ao contrário dos anos 1960, o país tende a se unificar em torno do Ansar Alá. Se nos anos 1960 o nacionalismo no Iêmen não acompanhava o Egito, nos anos 2010 o nacionalismo iemenita ultrapassou todo o nacionalismo árabe. O Iêmen é o único país onde a resistência armada conseguiu tomar o poder.
Os Hutis e o Ansar Alá
No fim, os egípcios foram derrotados, não no Iêmen, mas em “Israel”, com a guerra de 1967. Foi o ponto de inflexão do nacionalismo árabe. No Iêmen, isso significou que o país ficaria dividido. Ao norte se manteria a República Árabe do Iêmen, já ao sul a retirada dos britânicos levaria o país a se transformar na República Popular do Iêmen, apoiada pela União Soviética. Essa configuração duraria até o ano de 1990, com a queda da URSS. A unificação chegou, portanto, de forma reacionária, com o neoliberalismo, e não por meio da revolução popular.
É na década de 1990 que começa a história do movimento dos Hutis. O professor da Universidade de Sana, capital do Iêmen, Ahmed Addaghashi afirmou: “o grupo começou como um encontro chamado ‘Fórum da Juventude Fiel’ no início dos anos noventa. Em seguida, caiu em conflito interno entre duas linhas; a primeira defendia mais abertura, enquanto a segunda instava a aderir ao legado tradicional da seita xiita. Hussein Bader Adin al-Huti, o fundador do grupo, estava a favor da primeira linha. O movimento recorreu às armas em 2004 sob a justificativa da autodefesa quando eclodiu a primeira guerra com o governo” (Who are the Houthis in Yemen?, Al Jazeera, 15/3/2015).
A história se assemelha a outros grupos nacionalistas islâmicos, como o Hamas. Começa como um grupo religioso que entra na luta política e assim acaba aderindo à luta armada, algo natural no Oriente Médio. É dessa liderança que surgiu o nome Hutis, pois inicialmente eram os seguidores de Huti, apenas posteriormente cunhariam o nome Ansar Alá. O grupo se radicalizou após o início da investida imperialista no Oriente Médio em 2001, no Afeganistão, e em 2003, no Iraque. Por isso a data de 2004 para o início da luta armada evidencia uma reação ao imperialismo.
Addaghashi afirma que “as tensões entre as forças de segurança do Iêmen e os Hutis se intensificaram pela primeira vez quando os apoiadores do grupo protestaram em mesquitas na capital, o que o então presidente Ali Abdulá Salé viu como um desafio ao seu governo. Salé ordenou a prisão de alguns membros do grupo e instou o então líder deles, Hussein Bader Adin al-Huti, a impedir que os manifestantes perturbassem os fiéis durante as orações” (idem). Abdulá Salé era o presidente do Iêmen desde a unificação e seria o grande inimigo do Ansar Alá naquele momento.
O professor iemenita explica também como começou a guerra entre o Ansar Alá e o governo: “a primeira guerra começou quando Salé enviou algumas tropas para a província de Sada para prender Hussein, que se recusou a conter seus apoiadores. Hussein al-Huti foi morto em 2004 pelo exército iemenita. O assassinato deu origem a um levante armado que se transformou em uma guerrilha e terminou em um acordo de cessar-fogo em 2010″ (idem). Nesse primeiro momento a guerra já teve a intervenção direta do imperialismo dos EUA para impedir o crescimento da organização.
Em 2009, no início do governo Obama, antes mesmo da Primavera Árabe, o Iêmen já entrava no grupo de países sob intervenção direta do imperialismo: “o governo Obama revisou sua estratégia no Iêmen em 2009 e iniciou um programa abrangente que incluía aumento da assistência econômica e militar ao governo iemenita e ataques militares diretos dos Estados Unidos. Em setembro de 2009, o presidente Ali Abdula Salé do Iêmen prometeu ao vice-conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, John Brennan, ‘acesso irrestrito ao território nacional do Iêmen para operações antiterrorismo dos EUA’. Em linha com a mudança de política, as operações militares diretas dos EUA no Iêmen e o apoio dos EUA ao governo iemenita por meio do Departamento de Defesa (financiamento da seção 1206) e do Departamento de Estado (Financiamento Militar Estrangeiro) para fins militares aumentaram drasticamente” (Civilians Killed in US Operations in Yemen, Neta Crawford, Watson Institute for International and Public Affairs – Brown University, 11/2012).
Revolução no Oriente Médio
A trégua com o governo Salé começou em 2010, contudo um evento de proporções gigantescas afetaria não só o Iêmen, mas diversos países da região, a Primavera Árabe. Assim como no Egito, onde a ditadura Mubarak foi derrubada, no Iêmen a ditadura de Salé também cairia, já no ano de 2011. Em meio a uma mobilização generalizada da população, ele teve de abdicar do poder em nome de seu vice, Abdrabu Mansur Hadi. Enquanto a crise política acontecia na capital, no norte o movimento armado do Ansar Alá crescia em meio a conjuntura revolucionária.
Após três anos dessa nova etapa, o Ansar Alá tomou a capital do Iêmen. A Al Jazeera descreve os acontecimentos: “no domingo, os rebeldes tomaram prédios do governo na capital, incluindo o ministério da defesa, a sede do exército, o prédio do parlamento, o banco central e a estação de rádio nacional. Mohamed Vall, da Al Jazeera, relatou de Sana que a maioria dos prédios foi tomada sem enfrentamento, o que ele chamou de ‘uma espécie de capitulação’ por parte do exército. Ele acrescentou que soldados do exército foram vistos trocando de roupa para evitar serem ‘presos pelos Hutis’” (Yemen rivals sign peace agreement, Al Jazeera, 22/9/2014).
É a perfeita descrição de uma revolução. Um partido organizado em armas apoiado pelas massas toma os principais prédios do poder do Estado. A semelhança com a Revolução Cubana não é pequena e, agora que a popularidade do Ansar Alá é mundial, as comparações são muitas. Abul Malik al-Huti, filho de Bader al-Din e dirigente do partido desde sua morte, está sendo comparado a Fidel Castro pela própria imprensa burguesa.
E da revolução surge a contrarrevolução. Se o governo dos EUA já estava presente em peso desde 2009, ela já possuía as estruturas para reagir. Em pouco tempo se organizou um governo paralelo no sul, da mesma forma que nos anos 1960, mas agora apoiado pela Arábia Saudita, os Emirados Árabes e todo o imperialismo. Em 2015 começou o que se chama de Guerra Civil do Iêmen, mas que mais corretamente deve ser chamado de guerra de libertação nacional do Iêmen. O governo do Ansar Alá lutou contra a coalizão liderada pela Arábia Saudita e com a participação de Egito, Marrocos, Jordânia, Sudão, Emirados Árabes Unidos, Cuaite, Catar e Barém. Todos os regimes reacionários árabes se uniram contra a revolução árabe do Iêmen.
Foi uma guerra brutal. O Iêmen se tornou o epicentro da crise humanitária mundial, ele só foi ultrapassado pela Faixa de Gaza no ano de 2023, quando a guerra já havia acabado na prática. Essa guerra também é uma comprovação de que o que houve no Iêmen foi uma revolução. Seria impossível combater uma força tão poderosa com tão pouca tecnologia sem a existência do apoio revolucionário das massas. Foram 8 anos de bombardeios e o bloqueio mais violento do mundo e mesmo assim a popularidade do Ansar Alá só cresceu.
A guerra do Iêmen também foi o laboratório das armas do que viria a ser o Eixo da Resistência. Com o apoio do Irã foram testados diversos drones, mísseis balísticos, mísseis de cruzeiro e todo tipo de armamento que se tornou crucial para a guerra moderna. Antes da Ucrânia houve o Iêmen, que ficou mais ofuscado dado a menor escala de investimento envolvido. Mas o investimento levou a um avanço de grande importância. Ele aconteceu no ano de 2022.
No dia 25 de março daquele ano, o porta-voz das forças armadas do Iêmen, Iahia Sari, em um de seus pronunciamentos que agora se tornaram famosos após o bloqueio no Mar Vermelho, proclamou: “‘Ó fiéis, se auxiliardes a Deus, Ele vos auxiliará e consolidará os vossos passos’ (Corão 47:7). Em resposta à continuidade do bloqueio injusto sobre nosso país e nosso povo e ao iniciar o oitavo ano de resistência, as Forças Armadas do Iêmen realizaram, com a ajuda de Deus Todo-Poderoso, a terceira operação de quebra de bloqueio, usando mísseis balísticos, mísseis de cruzeiro e drones armados. Segue-se como: alvejando instalações da Aramco em Jeda e instalações vitais na capital do inimigo saudita, Riade, com um grupo de mísseis de cruzeiro; Alvejamento da refinaria de Ras Tanura e da refinaria de petróleo de Rabigh com um grande número de drones armados; Alvejamento de alvos da Aramco em Jizan e Najran com um grande número de drones armados; Alvejamento de alvos vitais e importantes nas áreas de Jizan, Dhahran al-Janoub, Abha e Camis Mushait com um grande número de mísseis balísticos” (1بيان القوات المسلحة اليمنية عن عملية كسر الحصار الثالثة – استهداف العمق السعودي 25-03-2022).
Esse ataque fulminante na capital da Arábia Saudita e em refinarias importantes foi o ponto final da guerra, o Iêmen não seria mais apenas a vítima. Seus drones, mísseis balísticos e mísseis de cruzeiro impuseram medo em toda a região. O Iêmen havia derrotado a contrarrevolução árabe, organizada pelo imperialismo. Menos de um mês depois, em 22 de abril, um acordo de cessar-fogo foi definido entre o governo do Ansar Alá e o governo da Arábia Saudita por meio da ONU. Um segundo acordo de cessar-fogo aconteceria no ano seguinte e, depois de 8 anos de guerra, os representantes do Ansar Alá visitariam a própria capital da Arábia Saudita para reatar relações.
Um evento que não pode ser ignorado nessa vitória do Iêmen foi que no início de 2023 o Irã e a Arábia Saudita reataram laços, algo que tem relações diretas com a derrota no Iêmen. Tal qual o nacionalismo iemenita tinha um aliado no Egito em 1962, atualmente o principal aliado nacionalista do Iêmen é o próprio Irã. A vitória do Ansar Alá na guerra foi também uma vitória do Irã que se fortalece e pode impor o acordo aos sauditas.
O Dilúvio de al-Aqsa
A visita diplomática aconteceu no dia 19 de setembro de 2023, poucas semanas depois aconteceria o evento que alçaria o Ansar Alá para a popularidade mundial: a operação Dilúvio de al-Aqsa, em 7 de outubro. A guerra de libertação nacional da Palestina começava e o Ansar Alá seria um de seus maiores aliados, junto ao Hesbolá. No dia 10 de outubro, Abdul Malik al-Huti pronunciou um discurso:
“Nós desejávamos estar ao lado da Palestina, e se isso fosse possível, nosso povo teria se apressado com centenas de milhares de combatentes para defender a Palestina. No entanto, temos limitações geográficas e algumas restrições devido a certos países. Não importa quais sejam os obstáculos, não hesitaremos em fazer tudo o que pudermos e estiver ao nosso alcance. Estamos em total coordenação com o eixo da jiade e da resistência para fazer tudo o que pudermos. A coordenação tem níveis específicos para eventos e linhas vermelhas, incluindo a intervenção direta dos EUA. Estamos prontos para participar com ataques de foguetes, drones e outras opções militares. Existem linhas vermelhas no que diz respeito à situação em Gaza, e estamos coordenados com nossos irmãos no eixo da jiade. Estamos prontos para intervir com tudo o que pudermos. Estaremos em constante acompanhamento e coordenação com o eixo e os combatentes na Palestina, e, se Deus quiser, estaremos prontos para participar segundo os níveis planejados dentro desta batalha” (2كلمة السيد القائد عبدالملك بدرالدين الحوثي حول آخر التطورات في الساحة الفلسطينية 25 ربيع الأول 1445هـ).
Em poucas semanas ficou claro para o mundo que as palavras do Ansar Alá não são em vão, o que é dito é feito. Se colocando na linha de frente na luta mais popular do planeta, o Ansar Alá se tornou um partido ainda mais popular, não só no Iêmen, mas no mundo inteiro.
Nos meses que se seguiram, o Ansar Alá começou a atacar os navios israelenses ou que se dirigiam para “Israel”. O imperialismo, diante dessa crise, decidiu intervir. Tentaram mobilizar mais uma vez os países árabes, mas falharam. A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos não querem brigar com um inimigo tão formidável. Conseguiram apenas o pequeno Barém, que mal pode ser chamado de país. Assim, com apenas um país árabe, foi lançada a Operação Guardião da Prosperidade. Mas ela logo se tornou uma das mais fulminantes derrotas do imperialismo. O analista militar Scott Ritter explicou:
“Nunca na história da Marinha norte-americana tantos grupos de batalha de porta-aviões foram movidos ao redor do globo com tão pouco impacto. A realidade da guerra moderna é que nações pequenas e atores não estatais como os Hutis podem ser armados com armamentos militares modernos que neutralizam o impacto militar de investimentos multibilionários, como os grupos de batalha de porta-aviões. Custa aos Hutis dezenas de milhares de dólares disparar seus drones e mísseis contra Israel e o transporte marítimo; custa à Marinha dos Estados Unidos milhões de dólares derrubá-los. Além disso, custa à Marinha dos Estados Unidos centenas de milhões de dólares apenas manter um grupo de batalha de porta-aviões implantado e operacional, enquanto os Hutis podem ameaçar, com alguma probabilidade, de afundar um porta-aviões usando armas que custam centenas de milhares de dólares” (Scott Ritter: US ‘Builds Trap for Itself’ in Red Sea, Sputnik, 22/12/2023).
Ele também afirmou: “em resumo, ao iniciar a Operação Guardião da Prosperidade, os Estados Unidos parecem ter construído uma armadilha para si mesmos, onde estão condenados se não atacarem os Hutis (pois o Mar Vermelho permaneceria bloqueado para todo o tráfego israelense) e condenados se o fizerem (pois não seriam capazes de deter os ataques dos Hutis, e tal ação provavelmente expandiria o escopo e a escala do conflito em detrimento dos interesses dos EUA)” (idem). O texto foi publicado em 22 de dezembro, apenas 4 dias após o lançamento da operação, mas acertou em tudo. O imperialismo se viu obrigado a iniciar bombardeios no Iêmen, que também não estão tendo resultado algum.
Pelo contrário, os bombardeios do imperialismo e a luta contra o Estado de “Israel” estão levando o Ansar Alá a um objetivo que nenhum governo atingiu até hoje, a unificação do Iêmen. Todas as forças políticas do país se aglutinam em torno do Ansar Alá. Um caso é representativo desse fenômeno, o do Coronel Hussein al-Quxaibi. Ele se pronunciou: “declaro minha renúncia do meu cargo e minha deserção do Exército da Legitimidade [exército apoiado pela coalizão liderada pela Arábia Saudita] que não nos permitiu, como membros do Ministério da Defesa, mostrar solidariedade com a Palestina. Minha mensagem aos membros do exército: voltem para suas casas, pois nossos líderes começaram a proteger navios sionistas no mar e a apoiar a entidade [israelense], mesmo que tentem enganar, mas seu apoio ficou claro e ainda está presente” (Yemenis ditch UAE–Saudi coalition for Gaza, The Cradle, 1/2/2024).
O Ansar Alá está sendo capaz de aglutinar todas as tribos do Iêmen que por décadas nunca aderiram ao governo central. Diversas estradas que antes estavam bloqueadas estão sendo reabertas para reatar relações econômicas entre as regiões. O governo já controlava um território com cerca de 80% da população em 2023, mas agora essa porcentagem aumenta rapidamente. O próximo passo é controlar as grandes províncias do sul, que são na maioria desérticas e pouco populadas. O caso do Iêmen é uma demonstração clara de que a luta contra o imperialismo impulsiona os povos em direção ao socialismo. Um grupo de ideologia xiita zaidi, ao passar por 20 anos de luta de libertação nacional, está prestes a unificar todo o país e desenvolvê-lo como nunca antes visto. Sobre o programa político do Ansar Alá, o leitor poderá compreender melhor na próxima edição do Dossiê Causa Operária.
- Declaração das Forças Armadas do Iêmen sobre a terceira operação de rompimento do cerco – visando a profundidade saudita, 25/03/2022. ↩︎
- Discurso do Comandante Abdul Malik Badr al-Din al-Huti sobre os últimos acontecimentos na arena palestina, Rabi’ al-Awwal [mês no calendário muçulmano] 25, 1445 AH [ano atual no calendário muçulmano]. ↩︎