O final da ditadura militar coincide também com o final do crescimento da indústria brasileira. Conforme explicado em artigos anteriores, isso não se deu porque a ditadura, em si, impulsionava a indústria nacional, mas justamente pelo contrário: os militares impuseram um freio tal ao desenvolvimento capitalista do País que o impulso da Revolução de 1930 foi derrotado pelo regime pós-1964. Os militares são responsáveis diretos pelo declínio da indústria, algo que necessitou de décadas para de fato acontecer.
O desmantelamento de todo o aparato que o nacionalismo burguês havia constituído nos governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e João Goulart acabou criando as condições para que, desde o primeiro governo civil, o imperialismo procurasse implementar a política neoliberal. Nesse sentido, os governos de José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso levarão a uma grande destruição do parque industrial brasileiro e a uma queda vertiginosa das condições de vida da população. Nesse período, vão vigorar as privatizações e a falência das empresas brasileiras frente à concorrência estrangeira.
O cenário brasileiro se repetia em toda a América Latina. Da mesma maneira como as décadas de 1980 e 1990 puseram fim a qualquer ilusão de que o País estaria se desenvolvendo, transformando-o numa grande fazenda dependente das indústrias norte-americanas e europeias, o período também seria decisivo para liquidar com o sonho de o Brasil ter a sua bomba atômica.
Acordo Brasil-Argentina
A década de 1970 criou um precedente muito perigoso para a corrida nuclear, no que diz respeito à dominação imperialista. Naquela década, a Índia, um país muito atrasado, que não havia passado por uma revolução proletária como a China e a União Soviética, conseguira desenvolver a sua própria bomba nuclear. A bomba indiana lhe permitiria não apenas uma independência maior perante o imperialismo, como também uma capacidade de intervir em conflitos regionais, desestabilizando ainda mais a ordem criada pelo imperialismo na Ásia. Esse fato levaria a que um país ainda mais secundário na política mundial, o Paquistão, obtivesse, em 1998, a sua primeira bomba nuclear.
Essa preocupação fez com que o imperialismo começasse a temer que as rivalidades regionais entre Brasil e Argentina estimulassem uma corrida nuclear regional. Cabe ainda lembrar que, apesar da crescente influência norte-americana sobre o regime brasileiro, os anos finais da ditadura militar foram marcados por uma série de acordos com o imperialismo alemão, o que havia também causado um atrito com os Estados Unidos.
Essas circunstâncias levaram o imperialismo norte-americano a pressionar o Brasil e a Argentina a assinarem um acordo de cooperação cujo objetivo era, acima de tudo, não o de auxiliar mutuamente no desenvolvimento de suas respectivas indústrias nucleares, mas sim o de manipular ambos os países para que um frustrasse os planos nucleares do outro. As negociações entre Brasil, Estados Unidos e Argentina estão bem documentadas pelo ex-senador norte-americano Paul Findley, um republicano conhecido por suas denúncias contra o lobby israelense. É dele o mérito de ter escrito o primeiro livro que denunciou a influência do Comitê de Assuntos Públicos Americano-Israelense (AIPAC) na política, nas políticas e nas instituições norte-americanas, demonstrando como o lobby israelense ajuda a moldar aspectos importantes da política externa dos Estados Unidos e influencia as eleições para o Congresso, o Senado e até mesmo para a presidência (Paul Findley, They Dare to Speak Out: People and Institutions Confront Israel’s Lobby, 1985).
De acordo com uma extensa reportagem da revista Época, Odilon Marcuzzo do Canto, o secretário da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), teria recebido, em 2015, uma mensagem eletrônica de Paul Findley, que já tinha, na época, 94 anos (A história secreta do fim da corrida nuclear entre Brasil e Argentina, Vinicius Gorczeski, Época, 2015). No texto, Findley narra o seu envolvimento direto naquilo que se tornaria o acordo nuclear entre Brasil e Argentina, assinado pelos respectivos presidentes neoliberais Fernando Collor e Carlos Menem.
O texto tinha como ponto de partida o ano de 1977, quando Findley e outros congressistas americanos fizeram um tour diplomático pela América do Sul, dois anos depois do acordo Brasil-Alemanha. Na época, a Argentina era mais desenvolvida na questão nuclear e já tinha uma usina em funcionamento. Ambos eram governos militares que, apesar de submissos ao imperialismo, comportavam também alguns interesses nacionais específicos. Alguns anos antes, em 1970, Emílio Garrastazu Médici aumentara em quase 20 vezes as águas territoriais brasileiras. E cinco anos depois, em 1982, a ditadura argentina entraria em uma desastrosa guerra contra o imperialismo britânico, a Guerra das Malvinas.
Conforme explicado na primeira parte deste artigo, no Dossiê Causa Operária nº 35, o Brasil se recusou a assinar o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares de 1968. A Argentina, por sua vez, havia seguido o mesmo caminho. Diante da etapa de crises na qual o mundo ingressa em 1974 (analisada a partir do Dossiê nº 36, em três partes), que acabou levando a uma revolução em Portugal, a qual ganhou a adesão até de altas patentes militares, a uma revolução no Irã, que hoje é uma potência militar, e a uma revolução na Nicarágua, a bomba atômica nas mãos da Argentina ou do Brasil poderia acabar facilitando o processo de independência política de algum desses países.
Ao voltar para os Estados Unidos, Findley diz, então, ter iniciado um processo de articulação em torno de uma “parceria” entre Brasil e Argentina. Essa “parceria”, contudo, teria como fim impedir a construção de armas nucleares. As intenções são descritas com clareza na carta enviada ao vice-presidente do Brasil, Adalberto Pereira dos Santos, da qual reproduzimos um trecho logo abaixo:
“Aqui está minha proposta: um acordo bilateral de verificação nuclear no local entre Argentina e Brasil poderia ajudar a conter as crescentes preocupações sobre o caráter das aspirações nucleares de cada país. Cheguei a essa conclusão durante uma recente missão de estudo do Congresso que incluiu discussões com altos funcionários no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Equador e Colômbia. O acordo que imagino seria um em que Brasil e Argentina renunciam a qualquer intenção de desenvolver um dispositivo explosivo nuclear e concordam em aceitar uma monitorização contínua e mútua no local de suas respectivas instalações nucleares. Cada nação permitiria que funcionários nucleares da outra se movimentassem livremente por suas instalações nucleares.
“Argentina e Brasil têm sido competidores naturais em muitos aspectos ao longo dos anos e provavelmente continuarão a ser no futuro. Eles compartilham uma longa fronteira comum. Cada um tem uma grande diversidade de recursos, competência técnica e uma economia em expansão. Atualmente, a Argentina é a potência nuclear mais avançada da América Latina, com várias usinas de energia alimentadas por urânio natural em operação e em construção. Sua tecnologia inclui uma planta em escala laboratorial para reprocessar combustível usado.
“O Brasil, cujo desenvolvimento nuclear é mais recente em comparação ao da Argentina, contratou com a Alemanha Ocidental a compra de uma tecnologia completa de combustível nuclear baseada no uso de urânio enriquecido e incluindo equipamentos para reprocessar combustível usado. Este último, é claro, produzirá quantidades substanciais de plutônio utilizável para armas. Nenhum dos países é atualmente parte do Tratado de Não-Proliferação, embora ambos tenham dado alguns passos em direção à adesão ao Tratado de Tlatelolco. No entanto, este tratado, por mais importante que seja, aceita a distinção entre dispositivos explosivos nucleares pacíficos e militares, uma distinção que os EUA e outros estados fornecedores agora prudentemente reconhecem como artificial e sem sentido.
“Tanto o Brasil quanto a Argentina frequentemente renunciaram a qualquer intenção de construir ou adquirir armas nucleares, mas a apreensão persiste de que, na ausência de salvaguardas sólidas, circunstâncias futuras possam impelir um deles a seguir o caminho das armas. Se isso acontecer, o outro certamente seguirá. Com os gigantes trazendo-os rapidamente para outras nações latino-americanas. Tal situação não promoveria nem segurança, nem estabilidade no hemisfério ocidental” (Letter from US Congressman Paul Findley to Brazilian Vice-President Adalberto Pereira dos Santos, Congress of the United States, 6/9/1977).
A carta é um documento riquíssimo no que diz respeito à política de dominação do imperialismo. Ela mostra, em primeiro lugar, que foram os Estados Unidos o grande articulador da proposta de um acordo “pacífico” entre Brasil e Argentina. Isto é, um acordo de desarmamento mútuo.
Em segundo lugar, ela mostra a relação colonial entre os países latino-americanos e os Estados Unidos. Paul Findley fala abertamente das riquezas naturais brasileiras e argentinas, como se essas fossem suas, como se fosse seu direito, enquanto político estrangeiro, opinar quanto às riquezas de outros países.
Em terceiro lugar, a carta não deixa de ser um apelo não apenas ao Brasil e à Argentina, mas à comunidade internacional. Quando Findley fala que a escalada nuclear levará todos os países da região a construírem sua própria bomba, o ex-senador está, de maneira velada, pedindo para que outros países “se preocupem” com o que está acontecendo na América do Sul – isto é, preparando uma intervenção internacional caso as suas ordens não sejam cumpridas.
Esse último aspecto, por sua vez, ainda que mostre o poder de coerção do imperialismo, também mostra claramente qual é a sua preocupação com o problema da energia nuclear. Não se trata de nenhuma preocupação humanitária: trata-se de um problema militar. Como a América Latina é considerada o “quintal” dos Estados Unidos, a proliferação de armas nucleares na região seria praticamente um golpe mortal contra a sua dominação.
Em 1980, a pressão contra os países sul-americanos aumentou. Os Estados Unidos partiram para uma política mais agressiva, proibindo o envio de tecnologia aos países que não eram signatários dos tratados de não proliferação de armas nucleares. Em 1984, conforme a matéria supracitada da revista Época, o governo norte-americano, após viagem ao Brasil e à Argentina, decidiu, pela primeira vez, encampar as ideias do acordo proposto por Findley. No ano seguinte, a Argentina já estaria preparada para o acordo.
Em 1985, no entanto, quando um encontro entre os chanceleres das duas nações iria dar início a um processo de acordo, o ministro do Exército do governo de José Sarney, o general Leônidas Pires, defendeu publicamente a fabricação da bomba atômica, sabotando abertamente as negociações. Pouco depois da declaração de Pires, um avião militar brasileiro desviou de rota e sobrevoou as instalações nucleares de Pilcaniyeu (A história secreta do fim da corrida nuclear entre Brasil e Argentina, Vinicius Gorczeski, Época, 2015).
Com o passar dos anos, no entanto, as tensões foram diminuindo até que, em 1991, foi assinado o tratado de Guadalajara, levando à criação da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC).
Matias Spektor, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), assim avaliou o final do processo: “os dois presidentes foram sábios e usaram a política externa de forma inteligente para ganhar espaço no embate interno, à margem da mão de ferro dos militares” (idem). Trata-se, obviamente, de uma versão pró-imperialista do ocorrido. Foi a pressão dos EUA, e não uma “sabedoria”, que resultou no acordo. E os militares que se opuseram ao tratado não tinham uma “mão de ferro”, uma vez que a força da ditadura militar vinha justamente do imperialismo. A resistência militar vinha da pressão das patentes mais baixas e da pressão de setores da burguesia que ainda não haviam sido completamente derrotados pelo neoliberalismo.
Almirante Othon
Passados os anos do primeiro grande choque neoliberal sobre a América Latina, o Partido dos Trabalhadores (PT) enfim chegou ao governo no Brasil. Com uma política extremamente moderada em seu início, a onda econômica favorável acabou levando à retomada de tendências nacionalistas, que começaram a pressionar novamente o País rumo à sua industrialização. Provavelmente o maior marco nesse sentido tenha sido o desenvolvimento da Petrobrás, que chegou a figurar entre as dez maiores empresas do planeta.
Essa tendência, interrompida com o golpe de 2016, também se desenvolvia na indústria nuclear brasileira. Da mesma maneira que a Petrobrás foi duramente atacada nos anos antes e depois do golpe, a indústria nuclear foi um dos grandes alvos do imperialismo nesse período. O evento mais marcante dessa ofensiva é a prisão de um dos maiores cientistas nucleares vivos, o Almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva.
O Almirante Othon é chamado por muitos de seus admiradores de “pai do programa nuclear brasileiro”. Trata-se, naturalmente, de uma grande imprecisão. Afinal, o Brasil já desenvolve a energia atômica há muitos anos e, desde os tempos do Almirante Álvaro Alberto, que foi tema da primeira parte deste artigo, houve tentativas de se estabelecer um plano de longo prazo para a produção nuclear. De qualquer forma, o título atribuído ao Almirante Othon serve para mostrar a sua importância para o desenvolvimento do País.
Formado em Engenharia e especializado no exterior na área nuclear, ele é o responsável pela concepção de um método brasileiro de enriquecimento de urânio com técnicas totalmente brasileiras, para o qual teve de inventar uma ultracentrífuga de novo tipo (85 anos do Almirante Othon, o pai do programa nuclear brasileiro, Portal Disparada, 25/2/2024). Na Marinha, depois de ter trabalhado em vários projetos de construção naval e reparo de navios, ele foi incumbido da missão de participar de um projeto de construção de um submarino nuclear. O projeto, conforme apontado também na primeira parte do artigo, foi alvo de sabotagem por parte dos Estados Unidos, que motivou a perseguição ao almirante.
A história do submarino de propulsão nuclear brasileiro muito se assemelha à descoberta e à exploração do pré-sal. Ambos exigiram a invenção de tecnologia brasileira e superaram o que o imperialismo conhecia, até então, em termos de avanço científico. Ambos também colocaram em perspectiva a possibilidade de, em um futuro próximo, o Brasil superar a produção de energia de países imperialistas. O programa nuclear do Almirante Othon acabou por impulsionar toda a indústria nuclear brasileira, de tal forma que, nos governos petistas, traçou-se um plano para que o País chegasse a 15 usinas nucleares (Ministro defende novas usinas nucleares e país pode ter 15 até 2050, G1, 8/4/2015).
Coube ao juiz Marcelo Bretas, uma espécie de Sergio Moro carioca, o papel de perseguir o Almirante Othon e arruinar sua carreira. Valendo-se dos mesmos métodos da Lava Jato, Bretas acusou Othon sem provas e garantiu que ele recebesse o pior tratamento possível. Mesmo com quase 80 anos, e tendo que cuidar de sua esposa, que tinha mal de Parkinson, o Almirante Othon não pôde cumprir sua prisão preventiva em regime domiciliar. Bretas o mandou, então, para uma prisão militar, a Base de Fuzileiros Navais do Rio Meriti, em Duque de Caxias. Neste local, Othon tinha acesso a um telefone, o que foi interpretado por Bretas como “absolutamente incompatível com a custódia preventiva”. O juiz, então, o enviou para um presídio comum, Bangu 8. Somente algum tempo depois, a defesa conseguiu transferi-lo novamente para uma prisão militar, o Comando da Força de Fuzileiros da Esquadra.
O almirante então tentou o suicídio, por enforcamento, mas foi impedido por uma das oficiais de plantão na unidade militar.
Antes de a burguesia brasileira partir para a ofensiva contra o Almirante Othon, o jornalista Lourival Sant’anna publicou uma reportagem no jornal O Estado de S. Paulo (citada em Quem é Othon Luiz Pinheiro da Silva?, Jornal GGN, 1/12/2014) revelando alguns fatos interessantes que marcaram o projeto.
Othon começou a ter uma posição de destaque no meio militar, propondo que o Brasil desenvolvesse sua própria tecnologia, ainda na década de 1970. Isso explica, inclusive, o porquê de haver uma resistência dos militares em apoiar o tratado de Guadalajara: havia um setor que estava verdadeiramente interessado em ter uma independência nuclear.
A narração de Lourival Sant’anna mostra um homem determinado, criativo e de grande capacidade científica, que dedicou a sua vida ao desenvolvimento do País, conseguindo, com muita habilidade, driblar a burocracia do Estado e a sabotagem do imperialismo. As colocações do almirante demonstram a importância para o imperialismo de persegui-lo e interromper seu trabalho em prol do Brasil.
“Othon veio para São Paulo e começou a ‘costurar alianças’ com instituições como o IPEN, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e o Centro Técnico Aerospacial (CTA), em São José dos Campos, que estava desenvolvendo um método de enriquecimento de urânio com raio laser. Depois de consultar especialistas, Othon constatou que a opção do laser não seria viável nos próximos 20 anos, e se fixou na ultracentrífuga.
“O objetivo último da Marinha era desenvolver reatores e todos os demais equipamentos da propulsão para submarinos movidos a energia nuclear. Se um submarino movido a diesel – como os que o Brasil usa – partir da Baía de Guanabara, em sua velocidade máxima, antes de chegar a Cabo Frio terá de se aproximar da superfície para o snorkel tomar ar, para pôr em funcionamento seu motor e assim recarregar as baterias. Navegando próximo à superfície, pode ser captado com facilidade por sensores infravermelhos. Para ficar no máximo dez dias no fundo, um submarino a diesel tem de se manter praticamente parado. O submarino nuclear projetado pela Marinha trocaria de combustível em dez anos. O limite de permanência no fundo seria de 45 dias. (…)
“O programa capacitou indústrias brasileiras a fabricar as válvulas, sensores e medidores das centrífugas. Othon recrutou cientistas e técnicos do Brasil todo. ‘Onde tivesse alguém que pudesse ajudar, a gente ia conversar.’ O sigilo era resguardado por um termo de compromisso. ‘Foram 14 anos da minha vida, cada dia um desafio’, lembra o hoje almirante da reserva, que dirigiu o programa entre 1979 e 94. Inicialmente, o projeto era secreto e ficou abrigado num departamento fictício, criado para isso, chamado de Coordenação para Projetos Especiais (Copesp), dentro da Comissão Naval de São Paulo. (…)
“A primeira dificuldade de Othon foi formar equipe. Quando assumiu, em 1979, o general João Baptista Figueiredo baixou portaria proibindo contratações no setor público. Othon recorreu ao Estado de São Paulo – e a uma artimanha. Fez um memorando à Secretaria de Ciência e Tecnologia, solicitando a contratação de 20 engenheiros e 40 técnicos para trabalhar no Ipen, num ‘projeto de interesse das Forças Armadas’. Se assinasse sozinho, no entanto, ficaria fácil para a secretaria pedir a análise do Estado-Maior da Marinha, onde o memorando provavelmente pararia. Então Othon pediu a um tenente-coronel da FAB que também assinasse. ‘Assim, não vão saber para que Força perguntar’. Deu certo. (…)
“Mas nem tudo era ciência: habilidade e jeitinho também contaram. Othon lembra que uma centrífuga antiga, importada na década de 50, utilizada para treinar equipes e dissimular o esforço principal do projeto, havia parado porque tinha um eixo flexível que quebrava com freqüência e tinha de ser trazido da Alemanha. ‘Eu tinha um técnico, Zequinha, muito habilidoso, que fazia um eixinho novo em três dias. Levei para ele o projeto e fizemos o primeiro juntos’, conta Othon. ‘No Arsenal de Marinha, não precisava importar. Era só ligar para o Zequinha.’ (…)
“Othon guarda até hoje uma planilha de todos os custos do projeto, ano a ano. No total, foram gastos US$ 663 milhões. Aí estão incluídos: o desenvolvimento do ciclo de combustível (projeto Ciclone), da propulsão do submarino (projeto Remo), do submarino propriamente dito, e a infra-estrutura.
“‘Desafio a me mostrarem no mundo todo um desenvolvimento do ciclo do combustível e da propulsão nuclear com esse custo’, diz ele. Quando deixou o programa, havia quase 700 centrífugas na ‘colônia’, em Aramar, pelas quais o urânio vai passando e enriquecendo-se gradualmente. A centrífuga americana enriquece bem mais do que a brasileira. A diferença está no custo, que Othon ilustra assim: digamos que sejam necessárias 20 centrífugas brasileiras para produzir o que uma americana produz. Acontece que o custo de 20 brasileiras é menor que o de uma americana”.