Sinclair Lewis pertenceu à geração intermediária de escritores do modernismo norte-americano, entre a geração de Jack London, na virada do século XX, e os autores mais jovens da Geração Perdida, das décadas de 1920 e 30. Ele é também um escritor que pertence inteiramente a esta tradição, tanto em seu socialismo, comum também a London e a John Updike, quanto à sua ojeriza à mediocridade e ao atraso da sociedade norte-americana, sentimento compartilhado também com Fitzgerald, Hemingway, Eliot, Dos Passos, e tantos outros.
O próprio Sinclair Lewis poderia também ser enquadrado nesta Geração Perdida, a uma safra mais velha desta geração, e que produziu seus melhores trabalhos no mesmo período. Ao seu lado estão outros poderosos críticos sociais como Sherwood Anderson, T. S. Eliot ou Ezra Pound.
Lewis captou em sua obra um momento importante da vida social norte-americana, que foi o período da intensiva industrialização do país, ocorrida entre 1880 e 1920, e com esta modernização nacional, a transformação das cidades em grandes metrópoles e dos pequenos lugarejos rurais, em pretensiosos centros comerciais.
O choque cultural provocado por esta situação contraditória despertou, desde muito cedo, um sentimento de violenta repulsa no escritor. Ele observaria, anos mais tarde, que lhe espantava o fato de que os Estados Unidos “passaram pela mudança revolucionária de colônia rústica em império mundial sem haver feito a menor alteração na bucólica e puritana simplicidade do Tio Sam”. Este comentário, bastante lúcido, revelava os mecanismos políticos e econômicos ocultos na base da formação social recente do país e que provocara o que foi provavelmente o maior processo de emigração de intelectuais da história dos Estados Unidos, que foi justamente a Geração Perdida, que praticamente renegou esta sociedade extraordinariamente conservadora e suburbana em sua mentalidade e modo de vida.
A obra de Sinclair Lewis não foi, neste sentido, outra coisa que uma denúncia e uma crítica das mais extraordinárias desta sociedade e de sua arrogante ignorância, revelando o que nela havia de mais bárbaro, de mais primitivo, grotesco e venenoso para os espíritos mais sensíveis.
Lewis escreveu ao menos três romances tendo ao centro o problema da opressão da mulher. Um deles é uma de suas obras-primas, Rua Principal. Além de seus ataques certeiros à mediocridade da burguesia e pequena burguesia norte-americana, destacou também a corrupção das igrejas, atacou o racismo e denunciou as tendências fascistas da burguesia em seu país na obra Não Pode Acontecer Aqui.
Pelo que havia de mais revolucionário em sua obra, o escritor tornou-se inevitavelmente um dos nomes mais malditos da imprensa norte-americana. Foi atacado por fanáticos nacionalistas, religiosos, racistas, donas de casa e todo tipo de conservadores que viam a obra do escritor como um verdadeiro atentado à “moral e aos bons costumes” do País.
Lewis foi alvo de tantos ataques, pressões, boicotes, por parte da imprensa e das editoras, que acabou por fim sucumbindo ao alcoolismo e à violenta amargura que corroeram sua vida e sua arte e o levaram à morte, quando vivia já em isolamento.
Sua obra esclarecedora constitui um dos mais preciosos testemunhos literários da mentalidade e dos preconceitos profundamente arraigados na sociedade norte-americana ainda hoje. Seus retratos não dizem respeito também somente aos Estados Unidos em particular, mas tocam problemas comuns a toda a sociedade burguesa, em que os verdadeiros valores e as verdadeiras qualidades humanas são permanentemente assediados e massacrados por engrenagens sociais impiedosas, das quais o próprio Lewis foi uma das vítimas.
Um jovem solitário
Harry Sinclair Lewis nasceu em 1885, em Sauk Centre, no estado do Minnesota. Ele era membro de uma típica família de classe média do Meio Oeste norte-americano. Filho de um médico e uma professora, ele foi o mais novo das três crianças do casal.
Quando Harry tinha apenas cinco anos, morreu sua mãe. Aos seis, seu pai casou-se com outra mulher, figura de temperamento forte que educou as crianças sob uma rígida disciplina. O futuro escritor cresceu assim como uma criança solitária, introspectiva e tímida, que preferia brincar sozinho a participar dos grupos de jovens de sua idade. Sua infância e adolescência transcorreu sem grandes acontecimentos ou percalços.
Tendo adquirido um hábito regular de leitura, passava como um estranho entre os garotos de sua idade. Em seus escritos, anos mais tarde, Lewis comentaria o verdadeiro asco que adquirira da vida naquela comunidade. Em certa ocasião, por exemplo, alguns amigos de seu pai comentavam: “Por que o Dr. Lewis não faz Harry ficar com um emprego na fazenda ao invés de deixá-lo sentado por aí lendo uma quantidade de histórias bobas e sabe Deus mais o que?”. Incidente que dá o tom do clima intelectualmente rarefeito da vida naquela cidade.
Aos 15 anos, Lewis começou a escrever um diário, desenvolvendo com ele um comportamento quase obsessivo em que por vezes chegava a fazer anotações de hora em hora e escrevendo de um modo que já prenunciava sua técnica literária da maturidade. Além destes apontamentos, Lewis escrevia também poemas sob a influência de Rudyard Kipling, e não tardou a apaixonar-se pelos escritos do “Kipling norte-americano”, Jack London, cujo nome começava a ficar conhecido por volta de 1900, com seus contos publicados também nos jornais do Meio Oeste.
Em 1902, Sinclair Lewis ingressou na Universidade de Yale, onde se formaria em 1908. Seu primeiro texto publicado foi um poema inspirado nas lendas arturianas, Lancelot, e impresso nas páginas do jornal universitário Yale Literary Magazine. Ele tinha então 19 anos e foi nesta época que iniciou sua atividade jornalística em diferentes periódicos acadêmicos, chegando a tornar-se redator regular do Yale Literary…
A busca por aventuras
Em 1907 ele viveu um período de crises e incertezas que o levaram a pensar em viver o estilo de vida errante de London. Profundamente entediado da rotina acadêmica, e já tendo entrado em contato com as ideias socialistas em suas leituras, Lewis mudou-se no início deste ano para a colônia socialista de Helicon Hall, fundada pelo escritor Upton Sinclair, em Nova Jersey. No período em que esteve ali, conheceu e conviveu com dois importantes intelectuais norte-americanos, William James e John Dewey, sendo apresentado também no período à militante anarquista Emma Goldman, que admirava.
Os escritores que Lewis mais admirava nesta época e lia incansavelmente eram os britânicos Walter Scott e Charles Dickens. Ele formou-se sob esta influência, e seus escritos de então tendiam à literatura fantástica em tom melodramático.
Lewis viveu na colônia durante alguns meses somente, e sofrendo uma nova inquietação, decide abandonar a vida no interior e partir para Nova Iorque.
Ele pensava então em ganhar a vida como escritor em tempo integral, mas essa primeira tentativa fracassa totalmente, e, sem recursos, ele resolve partir para trabalhar no Canal do Panamá, que então começava a ser construído. O que mais o atraía nesta aventura era a possibilidade de conhecer os operários emigrados de diferentes países então estabelecidos no Panamá, desde canadenses e latino-americanos, até franceses, irlandeses e noruegueses. O jovem escritor vive ali também mais um punhado de meses, mas não encontra a aventura que procurava.
É somente quando todos seus planos pareciam já terem fracassado que ele retorna, no início de 1908, para Yale, para cursar seu último ano. Sua aversão à vida naquela comunidade adquire uma nova consistência após ter passado um período importante fora de lá.
É neste momento que Lewis planeja o roteiro de um conto que chamaria O Vírus da Aldeia, cuja ideia é comentada por ele em seu diário: “Terei de escrever um livro sobre como ele [o vírus] penetra nas veias de um homem bom e verdadeiro. Deus fez o país e o homem fez a cidade, mas o Diabo fez a aldeia. Enquanto na cidade pode-se ver um amigo ou ir a um teatro, em Sauk Centre, [na aldeia] não há nada a fazer a não ser beber ou jogar pôquer (para quem não lê muito)”. A concepção deste conto deixava claro já o sentido que tomaria sua obra, acima de tudo crítica do provincianismo e da mediocridade do modo de vida das camadas médias nos Estados Unidos. Neste texto, o alvo é um dos setores mais atrasados desta pequena burguesia, que é sua parcela rural. O Vírus da Aldeia, anos mais tarde, iria servir de base para a criação de uma de suas maiores obras-primas, o livro Rua Principal.
Primeiros livros
Já graduado, Lewis vive mais um período sem rumo certo. Ele escreve nestes meses uma de suas primeiras histórias conhecidas, O Caminho de Roma, publicado três anos mais tarde.
Entre 1908 e 1910, Lewis viaja por diversas cidades norte-americanas e trabalha em diferentes ocupações, dedica-se principalmente ao jornalismo, mas desiste de seguir nesta atividade. Durante alguns meses, vai morar mais uma vez em uma colônia socialista, desta vez na Califórnia, período em que vive na boemia e conhece diferentes escritores e aspirantes, entre eles, o grande escritor, também socialista, Jack London, de quem se torna um bom amigo. London era já um dos nomes mais respeitados da literatura norte-americana, e dá ao jovem Lewis grande estímulo para que ele continuasse neste caminho.
Lewis continuava escrevendo seus contos, mas sem conseguir vendê-los para jornais ou revistas, acabou encontrando uma fonte de renda vendendo argumentos de histórias para outros escritores. Entre as figuras que apreciavam muito estas ideias e eventualmente compravam algumas estava o próprio Jack London.
Vivendo desta maneira, entre 1910 e 1914 Lewis trabalha em editoras em Nova Iorque e chega a escrever um livro para crianças por encomenda de um editor. No ano em que começa a Primeira Guerra, Lewis consegue enfim publicar seu primeiro livro, Nosso Sr. Wrenn, pela Harpers. Uma obra promissora que foi bem comentada pela crítica. Conta a história de um jovem cheio de sonhos românticos e anseios por grandes aventuras, mas que acabava apanhado por uma rotina esmagadora do espírito, incapaz de se libertar dela. Nosso Sr. Wrenn era de certa forma um romance autobiográfico, mas assinalava um problema geral na sociedade moderna.
Lewis teve publicado ainda o conto A Trilha do Falcão, até conseguir alguma notoriedade com a publicação de seu terceiro texto, Natureza S.A., nas páginas do Evening Post.
Estas obras, consideradas hoje como de importância menor em sua obra, ainda pouco tinham a ver com o estilo literário que Lewis assumiria no período de maturidade de sua literatura.
Após publicar mais alguns contos, economizou dinheiro e abandonou a Editora Doran, onde trabalhava. No final de 1914 partiu de Nova Iorque com sua esposa, iniciando um novo período de viagens pelos Estados Unidos.
Seus contos então eram já publicados com certa regularidade em revistas de diferentes cidades, o que lhe permitia algum sustento. Entre 1915 e 1917, ele trabalha no livro Os Inocentes, sua primeira obra de maior voo, que é publicada no final deste ano. Este manuscrito é publicado quase ao mesmo tempo em que O Emprego, este último é considerado a melhor realização destes seus primeiros anos.
Lewis nesta etapa conseguia manter uma produção regular, uma grande conquista para um escritor iniciante. Em 1919 ele publicava um novo romance, Ar Livre, e trabalhava sem descanso em seu texto seguinte, que se revelaria sua primeira grande obra e lhe renderia notoriedade nacional.
Rua Principal e a opressão da mulher norte-americana
Em 1920, para além de todas as expectativas de Sinclair Lewis, ele publica um novo romance que torna seu nome instantaneamente conhecido em todo o país. Era Rua Principal, livro que, segundo o mais importante dos biógrafos de Lewis, Mark Schorer, “foi o evento mais sensacional da história da literatura norte-americana do século XX”.
Sua protagonista era Carol Kennicott, jovem de talento, moradora de uma pequena e monótona comunidade no interior dos Estados Unidos. Ela era casada com o médico da cidade, o bondoso, honesto e respeitável Dr. Kennicott. A obra como um todo acompanhava a tentativa frustrada de Carol para tentar fugir daquela vida tacanha naquela comunidade isolada, um ambiente intelectualmente rebaixado e culturalmente estagnado. Por mais que se esforçasse ao longo de toda a obra por fazer algo, se libertar, realizar seus sonhos; ao final era sempre a vontade do marido que prevaleciam sobre ela de maneira aniquiladora. O romance era sobre esta “inevitável tragédia rotineira da luta contra a inércia”.
“Esta é a América”, afirmaria Lewis, “uma cidade de poucos milhares de habitantes em uma região de trigo e milho e laticínios e alguns bosques. A cidade é, no nosso conto, chamada Prairie Gopher, no Minnesota, mas a sua rua principal é a continuação das ruas principais de todos os lugares”.
Era esta a primeira das grandes obras de crítica social que marcariam toda a obra do escritor a partir daí, analisando as pretensões arrogantes e o provincianismo fortemente arraigados na cultura norte-americana, lançando críticas demolidoras contra “o contentamento dos mortos tranquilos”. Foi considerada uma crítica extremamente mordaz em sua época e conquistou com isso grande popularidade, pois rompia com o retrato convencional dos Estados Unidos apresentado pela literatura até este momento. Nos livros que eram então publicados nestes anos, os moradores das comunidades do interior eram sempre retratados como figuras altruístas, e o modo de vida da classe média rural era invariavelmente apresentado como superior ao das grandes cidades, que eram mostradas como a fonte de corrupção do país. Lewis chama esta glorificação da mediocridade de “o embotamento endeusado”. O retrato de Carol, em particular, chamou atenção. Muitos críticos chegaram a chamá-la de a Madame Bovary dos Estados Unidos.
Este romance marcava também a evolução literária de Lewis. Com Rua Principal, o escritor estabeleceu o método de análise que estaria presente em sua obra posterior. Ele estabelecia o alvo de sua crítica e desenvolvia toda a obra em torno deste problema, que era analisado de forma sistemática. Em Rua Principal é bastante nítida sua crítica ao completo esmagamento do indivíduo, mesmo dos mais progressistas, pela mentalidade retrógrada de uma burguesia atrasada e uma pequena burguesia ainda pior. Lewis não poderia ter escolhido melhor sua protagonista: uma mulher, um dos setores mais oprimidos na sociedade atual. Seu afiado método de análise psicológica e social o tornaria capaz de saltos maiores em sua obra a partir de então.
Babbitt, a burguesia em fase de gestação
Apenas dois anos mais tarde, Lewis concebia o livro que hoje é tido como a obra-prima de sua literatura, Babbitt, de 1922. O sucesso de Babbitt repousava em grande medida em seu estilo, naturalmente cáustico e realista, que, no entanto, resvalava neste trabalho para uma literatura de tipo fantástica, quase surrealista em algumas passagens. Sua técnica é fluida e desenvolve a trama com grande fluidez. Além do primor da técnica, a história narrada é um dos grandes triunfos da literatura mundial, um retrato dos mais lúcidos e mais cáusticos do processo de gestação da burguesia.
O escritor viveu em Cincinnati, Ohio, por alguns meses, período em que teve oportunidade de observar de perto um outro tipo de pequena-burguesia, distinta daquela paralisada burguesia rural mostrada em seus livros anteriores. Era uma pequena burguesia mais dinâmica, residente nos grandes centros industriais e cuja vida girava em função de sua feroz ambição de ascender socialmente, de tornar-se burguesia. Lewis debruça-se sobre o trabalho miúdo, rotineiro, de uma classe em processo de acumulação capitalista.
Seu “herói” era o proto-burguês George F. Babbitt, figura imediatamente apresentada como uma nulidade enquanto indivíduo, um homem desprovido de quaisquer qualidades intelectuais, emocionalmente imaturo, desprovido de princípios, e cuja única busca é a conquista de riqueza, descrito na obra como “um Cara Bacana, temente a Deus, cavador, bem-sucedido, viril, membro de alguma igreja enérgica e impiedosa, e que pertence aos Boomsters, ou aos Rotary, ou aos Kiwanis…”
Babbitt é um sujeito de meia-idade que trabalha como sócio, ao lado de seu sogro, em uma pequena imobiliária. Ele é apresentado por Lewis sem grandes rodeios: “[Babbitt] não fazia nada em especial: nem manteiga, nem sapatos, nem versos. Mas era perito em vender casas a preços excessivos para a bolsa de compradores”. Ou seja, nosso “herói” era um parasita social no sentido mais acabado do termo, cuja única habilidade era aplicar golpes em seus próprios clientes incautos.
Casado e com três filhos, Babbitt acompanha com grande expectativa e os lábios salivantes, o assombroso crescimento industrial dos Estados Unidos nos anos que se seguem à Primeira Guerra, na famigerada Era do Jazz, que foi o tema dos grandes romances de Fitzgerald nestes mesmos anos.
Muito distante de viver uma vida agitada em meio às festas e aos divertimentos incessantes da alta burguesia norte-americana – cujos retratos foram o grande tema da obra de Fitzgerald –, George Babbitt era este empresário ainda frustrado por sua incapacidade de emancipar-se do trabalho. Labutava arduamente em uma rotina ferozmente monótona, sonhando com o dia em que finalmente a “alta sociedade” abriria seus braços acolhedores para ele.
As pequenas figuras da pequena-burguesia
A vida de Babbitt se resume ao caminho entre a casa e o trabalho. Ele é absolutamente consciente de sua ojeriza tanto da vida no escritório quanto na igualmente massacrante rotina familiar. As únicas atividades e eventos sociais em que toma parte são aqueles ligados de alguma forma aos negócios, encontros vinculados necessariamente a algum ganho material. “Nada dava a Babbitt maior purificação e publicidade do que seus labores em prol da Escola Dominical”.
Lewis mostra-se assim extremamente mordaz em seu retrato, denunciando a visão absolutamente desprezível da vida de um homem que detesta tudo o que faz e tudo o que vive, mas que, em sua sanha de ascender socialmente, mantém tudo como está, religiosamente. O escritor definiu a obra como “um Grande Romance Americano sobre um Homem de Negócios Cansado”.
Enquanto que os primeiros sete capítulos da obra acompanham detalhadamente vinte e quatro horas na vida do desgraçado Babbitt, os capítulos seguintes se detém em recortes selecionados de outros aspectos da vida do empresário, apresentando a partir de então um amplo panorama da vida desta curiosa criatura social, a gênese de um burguês que observa faminto suas possibilidades de ganhos naqueles anos de grandes ilusões que foram os Estados Unidos antes do crack de 1929.
Em uma das grandes passagens do livro, Lewis concentra-se na descrição minuciosa da ridícula epopeia que se torna a organização de um jantar de negócios por Babbitt e sua esposa para um grupo de figuras bem sucedidas da burguesia local.
Em outro capítulo, Lewis revela o completo fracasso que é casamento burguês, mostrando o tratamento mesquinho que Babbitt tem com sua esposa e vice-versa, quando a guerra pessoal fora já transformada em passatempo para ambos os cônjuges.
O livro está recheado de passagens como estas, que constituem alguns dos mais extraordinários retratos já feitos da pequena-burguesia em toda sua miséria pessoal, como quando Babbitt, obrigado a fazer um discurso público, torna também a simples redação do texto uma grande e perigosa aventura épica. Este é o espírito fundamental da pequena burguesia que é espicaçado a todo momento, e com grande habilidade, por Lewis. O escritor não deixa nada a derrubar, desmascarando sua ignorância, a estreiteza de seu modo de vida, de sua mentalidade e de suas ambições, a venalidade, o oportunismo, a completa imersão na vida cotidiana, sua devoção às mais horrendas convenções da classe dominante, o culto ao dinheiro, sua completa falta de talento para enfrentar as tarefas práticas da vida, a tendência a transformar as menores e mais rotineiras tarefas em grandes feitos sobre-humanos, características que revelam a insignificância social que constituem a própria essência desta classe de pequenos empreendedores. É um verdadeiro raio X da pequena burguesia norte-americana, apresentada tal qual ela é, uma mera engrenagem econômica da sociedade capitalista.
Um clássico norte-americano
Uma das grandes forças do romance está na técnica literária adotada pelo escritor. Não há em Babbitt análises psicológicas afiadas nem diálogos passionais e grandiloquentes. Tudo aí é simples, banal, cotidiano. A força do texto repousa, portanto, descrição objetiva e afiada deste modo de vida pequeno-burguês, o trabalho, bem definido, de um anatomista literário, onde muitas vezes o conteúdo crítico repousa no que não é dito, na simples força imagem evocada pelo escritor.
Babbitt é o retrato desta miserável classe social que existe para servir a classe dominante. Sua inutilidade e mediocridade, seu apego aos piores valores existentes na sociedade capitalista são produtos desta condição. Babbitt não é um mero retrato de época, nem se restringe à classe média norte-americana. Os Babbitts, ao contrário estão por toda a parte, residem em todos os países, seus descendentes estão por todos os lados, tão medíocres quanto sempre foram.
Quando lançado, o livro alcançou imensa repercussão e suscitou grandes críticas por parte dos jornais conservadores. Em certos periódicos, Lewis era descrito não como um retratista da vida norte-americana, mas como um deformador desta sociedade e de seus “honestos habitantes”. Quando o livro foi publicado na Europa, milhares de leitores passaram a identificar intimamente George Babbitt com toda a sociedade norte-americana, o que obviamente causou grande celeuma nos Estados Unidos. Como não poderia ser diferente, Lewis passou a ser atacado de todas as formas, como um “simples jornalista”, criador de caricaturas maliciosas que nada tinham a ver com a realidade.
Sinclair Lewis começou a receber centenas de cartas nos meses seguintes, com comentários dos mais variados. Mesmo outros escritores, como Somerset Maugham sentiram o ímpeto de trocar com ele algumas palavras. Em carta, Maugham comentava: “Nunca um certo tipo ou uma certa classe tinham sido delineados com tanto êxito; a objetividade tão fria e impiedosa com a qual você escreveu causa uma sensação muito estranha; a não ser que as pessoas não se reconheçam nele. Devo dizer que você será um dos homens mais desamados da América rica. Li Babbitt com as mãos tensas, com o pensamento de que eu me sentiria muito intimidado se as encontrasse na vida real”.
A fama de seu romance atravessou as décadas, e apesar dos esforços desesperados da burguesia norte-americana em desacreditar o livro e seu autor, Babbitt, por suas inegáveis qualidades e pela crítica penetrante que apresentava, tornou-se o estereótipo universal de toda uma classe, particularmente estes pequenos homens de negócios que povoavam e povoam os Estados Unidos.
Um escritor em busca de seu tema
Após concluir Babbitt, Sinclair Lewis voltou a morar por algum tempo no meio oeste norte-americano em busca de novos materiais para sua literatura. Estava então interessado em analisar agora a vida das classes trabalhadoras e apresentar, da mesma forma que havia feito com aquela pequena-burguesia ascendente, um retrato contundente do operariado de seu país. Após alguns meses estudando a ideia e observando de perto estes trabalhadores, Lewis acabou convencido de que era incapaz de realizar a tarefa. “Venho da classe média e só conheço a linguagem da classe média”, concluiu ele. Este trabalho, porém, ficaria a cargo de outros escritores. A época era propícia para isso.
Em seu romance seguinte, Arrowsmith, de 1925, Lewis abordaria um novo aspecto das mazelas da vida no interior da sociedade capitalista, narrando a história de um médico que tenta a todo custo manter sua integridade em um mundo imerso em corrupção. A personagem se agarra à sua profissão como único instrumento para manter a integridade de seus valores e sua sanidade mental.
A ideia de escrever este romance surgiu a partir de um encontro inesperado que teve Sinclair Lewis após mudar-se para Chicago. Na cidade ele conheceu Paul De Kruif, um jovem médico e pesquisador de talento que há pouco tempo havia se associado ao Instituto Rockeffeler em Nova Iorque para realizar seus trabalhos. Ambos tornaram-se amigos e após muitas conversas, Lewis se interessou particularmente pelas queixas de De Kruif a respeito da venalidade dos pesquisadores com quem trabalhava, e do próprio Instituto. Ele esboça a partir destas conversas sua nova obra: uma denúncia da corrupção em torno da profissão, a prostituição dos legítimos interesses científicos em função da atração destes profissionais pelo lucro fácil, sua busca por fama e o prestígio em detrimento da verdadeira ciência e da perspectiva de darem alguma real contribuição à humanidade com seu trabalho.
O ataque à corrupção no capitalismo
Lewis e De Kruif viajam para o Caribe, onde se passaria a ação da obra, e logo após, ambos partem para a Inglaterra, onde Lewis começa afinal a escrever Arrowsmith.
Seu protagonista era o médico idealista Martin Arrowsmith, um defensor incondicional da verdadeira ciência contra os corruptos e charlatães de toda espécie que cruzam seu caminho. Ao contrário de Babbitt, Arrowsmith era dono de um caráter firme e uma decisão de fazer algo de útil com sua existência ao invés de se consumir na luta por dinheiro e conforto material. Lewis preconizou um herói que fosse capaz de lutar contra a mediocridade geral e superar as barreiras impostas pela sociedade à realização de seu trabalho. Perseguindo seus ideais, Arrowsmith rompe com as instituições e termina vivendo em isolamento. Apesar dos problemas que tem de enfrentar, vive plenamente satisfeito em se ver fiel aos seus ideais.
Foi uma obra que só pôde ser realizada graças à associação entre Lewis e De Kruif. Ele mesmo escreve sobre o amigo em agradecimento à obra: “Devo ao Dr. Paul De Kruif não apenas a maior parte do material bacteriológico e médico, como também sugestões no planejamento da própria obra, por suas realizações como pessoa, por sua filosofia como cientista. Com gratidão quero recordar os meses de companheirismo enquanto trabalhava no livro, nos Estados Unidos, nas West Indies, no Panamá, em Londres e Fontainebleau. Gostaria muito de poder reproduzir nossos passeios ao longo dos caminhos, as tardes nos laboratórios, os restaurantes à noite e os desembarques quando ancorávamos em portos tropicais”.
Arrowsmith é publicado em 1925 e tem, como Babbitt, uma grande repercussão entre o público. Apesar de haver nesta obra os ingredientes críticos presentes em Babbitt, pelo fato do livro concentrar-se em um âmbito que, para a parcela conservadora norte-americana, parecia mais moralmente aceitável, a busca pela integridade da profissão científica, o livro recebeu críticas quase unanimemente favoráveis. Ele teve seus direitos vendidos para a realização de um filme e foi indicado ao Prêmio Pulitzer, que o escritor prontamente rejeitou, alegando que “tais prêmios tendem a legislar o gosto”.
Se George Babbitt era a imagem do demônio mais miserável a brotar naqueles Estados Unidos em sua era de consolidação como imperialismo, Martin Arrowsmith, era, ao contrário, o herói deste novo mundo, cuja trajetória sobre a terra é definida pela preservação da verdade e do conhecimento contra a barbárie social do capitalismo. Significativo é o fato de Arrowsmith ser um cientista e de defender a essência desta atividade com toda a sua energia. Seu destino, a proscrição social, é o destino que Lewis percebera ser comum a todos os homens saudáveis confinados em uma sociedade em franca decadência.
O desmascaramento as igrejas
Apesar desta tolerância da crítica burguesa para com Arrowsmith, pouco mais tarde o nome de Lewis voltaria a despertar as mais violentas manifestações de revolta destes setores.
Após escrever uma novela menor, A Armadilha, de 1926, no ano seguinte, nasce outra das obras fulminantes do autor, Elmer Gantry, onde Sinclair Lewis partia para a denúncia de uma das mais sacramentadas instituições da burguesia norte-americana: as seitas evangélicas.
Seu protagonista era outro demônio do mundo moderno, Elmer Gantry, um charlatão que se torna pastor religioso e usa todas as suas habilidades pessoais para erguer-se como um líder espiritual popular entre sua comunidade, cravada no meio oeste norte-americano. Através de golpes e trapaças, sempre calculando suas possibilidades de lucro, ele torna sua congregação uma grande igreja e um grande negócio, com centenas de fiéis dispostos a depositar mensalmente parte de seus salários nos cofres da Igreja.
A obra é dividida em três partes e acompanha todas as tramoias do malandro ao longo de sua carreira de golpes. Desde sua formação religiosa na infância em uma igreja batista até sua carreira como pregador profissional. Após enganar a todos e cada vez mais decadente, ele termina o romance triunfante: “ainda faremos destes Estados Unidos uma nação moralizada”, declara o bem-sucedido Elmer com grande seriedade.
O livro contém algumas passagens que provocaram verdadeiro escândalo entre os evangélicos norte-americanos, como o envolvimento do pastor com Sharon Falconer, que afirma só poder “amá-lo fisicamente”, antes de Gantry possuí-la no altar de sua igreja, ao mesmo tempo em que ela começa a evocar todas as deusas da fertilidade pagãs. É uma passagem memorável da literatura norte-americana e um ataque certeiro contra a hipocrisia religiosa e a corrupção reinante nestas igrejas.
Lewis acrescenta neste romance mais um elemento sobre sua análise clínica da sociedade norte-americana: enquanto os homens verdadeiramente honestos estavam fadados ao isolamento, a alavanca do sucesso e da ascensão social estava reservada aos piores marginais e golpistas profissionais.
Quando publicado em 1927, Elmer Gantry é amplamente repudiado pelas mais diversas seitas religiosas ao longo do país. Sinclair Lewis é declarado um “agente do Diabo” e passa a sofrer dezenas de ameaças por cartas. Um pastor chega mesmo a sugerir que Lewis fosse encarcerado. O livro é proibido em Boston, Kansas e Glascow, mas a despeito disso, as polêmicas atraem também grande interesse por parte do público em geral. Este livro foi, assim, mais uma vez um grande acontecimento do mundo literário norte-americano, outra obra-prima da literatura moderna no país. Nenhum jornalista se atreveu, porém, a elogiar a obra, com exceção de H. L. Menken, que compartilhava também, como Lewis, desta visão altamente crítica do atraso da mentalidade nacional. Após ler este romance, Menken comparou o escritor a Voltaire e declarou ser Sinclair Lewis o “único verdadeiro anatomista da Americana Kultur”
Os ataques lançados contra ele, porém, provocam um profundo desgaste pessoal no escritor, e no auge dos debates, Lewis parte para a Europa a fim de isolar-se. Lá ele se divorcia de sua esposa e alguns meses mais tarde conhece a destacada jornalista Dorothy Thompson, com quem se casa já nos primeiros meses de 1928.
O exílio voluntário de Dodsworth
Ele só retornaria aos Estados Unidos um ano mais tarde, já em 1929, e publica na ocasião sua obra seguinte, Dodsworth, que refletia o impacto que esta temporada Europeia tivera sobre ele.
O livro contava a história de Samuel Dodsworth, um milionário que após vender sua empresa automobilística, aposenta-se e resolve realizar o grande sonho de sua juventude, conhecer a Europa, para onde viaja ao lado de sua esposa, Fran Voelker. Eles fazem uma grande turnê pelo Velho Continente, passam pela Inglaterra, França, Espanha, Áustria, Hungria, Alemanha e descobrem um mundo que nunca imaginaram em seu país. Enquanto Fran, que vivia preocupada com o fato de estar envelhecendo, fica deslumbrada pelo mundo de frivolidades e elegância da vida social europeia, convivendo entre festas e socialites. Fascinada por este mundo, ela se desencanta de Dodsworth e se envolve o aristocrata Kurt von Obersdorf.
Ele, por sua vez, mergulhado em sua crise amorosa, vem a conhecer a viúva Edith Cortright, com quem se envolve, uma mulher autoconfiante e de espírito independente que em tudo se diferenciava de Fran. Ao lado dela, Dodsworth descobre a beleza da cultura do Velho Continente, sua música, a poesia, a arquitetura, as pinturas.
Fran Voelker, porém, acaba abandonada pelo conde e tenta uma reconciliação com Dodsworth. Satisfeito, ele sugere que os dois voltem para os Estados Unidos e retomem a vida anterior. Na viagem de volta à Nova Iorque, porém, o velho magnata percebe que nada restara de seu casamento, e após aportarem no Novo Mundo, ele pega o primeiro navio de volta a Paris para reencontrar Edith Cortright.
Neste livro, Lewis deixa de lado seu característico estilo crítico para apresentar uma fábula moderna. Dodsworth não é um espírito mesquinho como Babbitt, é um homem sensível que realmente encontra a beleza da vida na Europa e renega seu país, sua antiga vida e seus antigos vínculos, representados por sua frívola esposa, a própria imagem da mediocridade da sociedade burguesa norte-americana. Mulher superficial, ela usa seu dinheiro, o trai e o abandona apenas para voltar em prantos para ele como se nada houvesse ocorrido. Dodsworth é um romântico, e decide por fim, ligar-se para sempre à Europa que o fascinou com sua beleza e amplitude de horizontes, é isso que representa sua ligação com Edith.
O livro ganhou uma adaptação para o cinema em1936, e apesar do interesse que o livro desperta, Lewis é mais moderado em sua crítica à cultura de seu país do que o fora em suas obras anteriores.
O primeiro Nobel norte-americano: a tentativa de compra de um autor
Em 1930, não por acaso, Sinclair Lewis é indicado ao Prêmio Nobel de Literatura pela Academia Sueca. Foi o primeiro escritor dos Estados Unidos a ser indicado ao prêmio. Apesar de poucos anos antes ter recusado o Pulitzer, ele, curiosamente, aceita o Nobel. É uma situação contraditória que parece revelar, porém, um amolecimento do escritor frente às críticas lançadas contra ele. Segundo Lewis, sua aceitação do Nobel se devia ao fato que o prêmio não era destinado a nenhuma obra em particular, mas a “toda sua obra”. Este, porém, não é o problema central que envolve tais premiações.
O Nobel na realidade sempre serviu como uma das peças utilizadas pela burguesia imperialista no processo de aliciamento de escritores e intelectuais em geral. Estes são cuidadosamente adulados, e sua revolta, pacificada. São transformados deste modo em animais domésticos, defensores das ilusões e das “benesses” da sociedade capitalista. O tiro da Academia Sueca foi certeiro, e Lewis caiu a partir daí em um vertiginoso processo de decadência.
Uma carta enviada por Lewis ao seu editor revela bem que o escritor havia caído em uma posição medíocre, procurando firmar-se no interior de um mercado editorial e assentar sua posição como “escritor estabelecido”. Em 1931, pouco depois do Nobel, ele escreve a Alfred Harcour: “Se os senhores não se serviram dessa oportunidade [o Nobel] para dar enérgico impulso à venda de meus livros e para apoiar com inteligência o meu prestígio, jamais o farão, porque eu jamais poderei oferecer-lhes momento igual”.
Apesar do Nobel, ele foi atirado ao ostracismo. A passividade de sua editora revelava que os capitalistas do ramo já não apostavam mais nele as suas fichas. Em 1929 há a quebra da economia, e com ela, diversos segmentos do mercado editorial são pulverizados no intervalo de apenas poucos meses. Iniciavam-se os anos da Grande Depressão, e com o término da década de 1920, os empresários do ramo “decretaram” que havia se encerrado também o interesse pela obra de Sinclair Lewis.
Pessoalmente o escritor passava também por um processo de decadência. Seu filho mais velho morrera na Guerra, seu segundo casamento fracassara, e o escritor passava agora boa parte do tempo embriagado. Seu impasse existencial se refletia em suas mudanças regulares de casa e de cidade. Solitário, passava seu tempo distraindo-se entre casos com mulheres muito mais jovens.
A denúncia do fascismo nos EUA
Este definhamento pessoal de Lewis, em meio à depressão econômica do País, conduziram a obra do escritor para outro sentido e deram lugar a um crescente pessimismo com relação à vida.
Ainda assim, em 1933, no auge da Depressão, Lewis publica outro de seus grandes livros, Ann Vickers, que, fazendo ecos com a história de Arrowsmith e Rua Principal, narra a trajetória de uma promissora assistente social idealista que, apesar de seus grandes sonhos, tem a vida destruída. Reduzida a um detrito social, ela termina como amante de um político corrupto.
Novos retratos da classe média norte-americana aparecem agora em termos menos críticos em livros como Obra de Arte, de 1934 e Pais Pródigos, de 1938.
A crise social norte-americana parece dar um novo vigor aos trabalhos de Sinclair Lewis, e sua obra de maior relevância neste período surge em 1935, Não pode acontecer aqui, onde o escritor toma a Alemanha nazista como fonte de inspiração para sua obra e descreve a ascensão social de um político fascista que chega à presidência dos Estados Unidos, instaurando uma ditadura no País. Esta crítica bastante contundente ao fascismo – que era uma das políticas alternativas que a burguesia norte-americana estudava naqueles anos para combater o movimento operário – obtém bastante repercussão em meio à Depressão e a iminência da Guerra imperialista na Europa. Em 1936 a obra ganha já uma adaptação teatral nas mãos do diretor John C. Moffitt, financiada pelo Federal Project.
Na década de 1940, Lewis concebe ainda romances representativos como Gideon Planish, de 1943, que ataca a mentalidade filantrópica da burguesia norte-americana da época; e Cass Timberlane, de 1945, que retoma uma vez mais o tema da opressão da mulher, e cujo alvo era a instituição familiar, apresentando um retrato mordaz do fracasso do casamento de um homem de meia-idade e sua esposa submissa e amorosa.
Últimos trabalhos
O livro seguinte de Lewis é Kingsblood Real, de 1947, obra também bastante contundente que realizava uma denúncia do racismo no qual toda a pequena-burguesia norte-americana estava envolvida, formando uma base social que dava sustentação ao sistema de segregação racial norte-americano. A obra revelou-se visionária, antecipando em quase uma década a mobilização dos negros no interior do país a partir de 1955.
Com o término da guerra e o arrefecimento da crise social, há uma mudança de rumos na obra de Lewis, que abandona estes problemas políticos e sociais mais imediatos para analisar problemas históricos da formação e do caráter da cultura norte-americana. Ele concebe aí seu projeto mais ambicioso, a realização de uma trilogia literária que começa a escrever em 1949, mas que nunca seria concluída.
O escritor tem tempo de terminar apenas o primeiro volume, À Procura de Deus, que é publicado ao final deste ano. Na obra, Lewis acompanhava as tentativas malogradas, mas insistentes, de um missionário da Nova Inglaterra para converter ao cristianismo uma tribo indígena do Minnesota.O último romance que Sinclair Lewis conclui é Mundo tão Largo, obra que só seria publicada postumamente. Muito debilitado devido ao alcoolismo e sofrendo de um grave problema de intoxicação em função da bebida, a morte viria encontrá-lo em certa noite de janeiro de 1951, vítima de um ataque cardíaco, enquanto passava uma estadia em uma pequena cidade provinciana nos arredores de Roma. O escritor vivia já um longo período de isolamento, amargurado e afastado de tudo. Em reclusão quase absoluta, hesitava em receber visitas mesmo de seus velhos amigos. Sua visão desiludida da vida tornou-se também uma visão desiludida da literatura. Este desencanto foi bem expresso por sua segunda esposa, Doroty, que comentaria anos mais tarde que, durante o período em que viveram juntos, Lewis “algumas vezes se dirigia ao filho, pouco mais que uma criança, e tomava-o pelos braços: ‘Não seja escritor’, dizia; ‘escrever é tentar escapar de alguma coisa. Você deverá ser um cientista’”.