A República da Lituânia, um dos três países bálticos, não costuma ser um local de grande importância para a política internacional. Contudo, nos dias 11 e 12 de julho, em sua capital Vilnius, estiveram presentes Joe Biden, Emmanuel Macron, Rishi Sunak, Olaf Scholz e os demais chefes de Estado dos países que compõem a OTAN. A maior aliança militar da história, que engloba todos os países imperialistas, com exceção do Japão, realizou a sua cúpula. Em meio ao fracasso da “contraofensiva” ucraniana, o imperialismo começou a elaborar a sua política de guerra para o próximo período de crise internacional do capitalismo.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte, fundada em 1949 pelas nações imperialistas da Europa e América, realiza cúpulas regularmente desde 1974. No ano de 2022, devido à sua guerra contra a Rússia, foram realizadas extraordinariamente três cúpulas entre fevereiro e junho. Passado um ano, o imperialismo se reorganizou e realizou este novo evento próximo à fronteira da Bielorrússia, aliada de primeira importância para os russos, em forma de intimidação. Após o segundo dia de plenário, a OTAN publicou um documento com um resumo das suas principais deliberações.
O imperialismo se declara para os povos oprimidos
O documento no sítio oficial da organização dá o tom do evento. Publicado em inglês, francês, russo e ucraniano apenas, o Comunicado da Cúpula de Vilnius à imprensa começa da seguinte forma: “Nós, os Chefes de Estado e de Governo da Aliança do Atlântico Norte, unidos por valores compartilhados de liberdade individual, direitos humanos, democracia e Estado de direito, nos reunimos em Vilnius enquanto a guerra continua no continente europeu, para reafirmar nosso vínculo transatlântico duradouro, unidade, coesão e solidariedade em um momento crítico para nossa segurança, paz e estabilidade internacional.”
A nota é quase a declaração do “comitê central” da burguesia imperialista. A OTAN se coloca como defensora dos direitos humanos e da democracia, algo que é recorrente na propaganda do imperialismo. E também como defensora do Estado de direito e das liberdades individuais, o que já não acontece com tanta frequência. O segundo ponto mais importante é sobre a guerra no continente europeu. Aqui é preciso lembrar que a OTAN está na prática em guerra com a Rússia desde fevereiro de 2022, quando o país iniciou sua operação militar especial na Ucrânia. Esta já teria sido derrotada há meses não fossem os auxílios bilionários às forças armadas ucranianas. É a OTAN quem sustenta a guerra e para a Rússia o inimigo sempre foi a OTAN, desde o ano de 2014, quando o imperialismo derrubou o presidente nacionalista ucraniano Victor Ianucóvitch.
A declaração continua: “Damos calorosas boas-vindas ao presidente Zelensky à reunião inaugural do Conselho OTAN-Ucrânia. Aguardamos com expectativa os nossos valiosos intercâmbios com os chefes de Estado e de Governo da Austrália, Japão, Nova Zelândia e República da Coreia, bem como com o presidente do Conselho Europeu e o presidente da Comissão Europeia nesta reunião de cúpula. Saudamos também os compromissos com os ministros dos Negócios Estrangeiros da Geórgia e da República da Moldávia e com o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Bósnia e Herzegovina, enquanto continuamos a consultar estreitamente sobre a implementação das medidas de apoio personalizadas da OTAN.”
Aqui, obviamente, há o destaque para o presidente ucraniano, basicamente um lacaio a serviço da OTAN para atacar a Rússia. Mas é interessante também a participação dos demais países, Austrália, Japão, Nova Zelândia e Coreia do Sul, ou seja, os países imperialistas e seus serviçais na região próxima a China, muito distante do oceano Atlântico. Isso é um ponto crucial, pois à medida que a crise do imperialismo se desenvolve, a tendência de guerra com a China é cada vez maior e a OTAN, como organização que unifica a máquina de guerra das nações imperialistas, tende a ser a organização que levará essa guerra adiante.
Além disso, as participações especiais também têm sua relevância. Os presidentes do Conselho Europeu e da Comissão Europeia são ligados às organizações do velho continente que possuem a política mais violentamente imperialista. Desde o início da guerra, a figura europeia que mais se destacou foi Ursula von der Leyen, o equivalente ao executivo da União Europeia. Anteriormente, ela ocupou o cargo de ministra da Defesa da Alemanha até 2019, ou seja, é uma ave de rapina controlada pelos norte-americanos, de longe os mais ávidos apoiadores da guerra na Ucrânia.
Por fim, a presença dos ministros da Moldávia, Geórgia e da Bósnia e Herzegovina, dois países do entorno da Rússia e um vizinho da Sérvia. O primeiro passou por uma grande crise política desde o início da guerra e inclusive tem uma grande população russa em seu território com interesses de se integrar à Rússia, a Transnístria. O segundo passou por uma tentativa de golpe de Estado organizada pelas ONGs imperialistas no ano de 2023. Ambos então cruciais para atacar a Rússia. Já a Bósnia e Herzegovina aparece devido à questão da Sérvia, que tem seu território do Cossovo ocupado por tropas da OTAN há mais de 20 anos. Desde o início da operação militar especial na Ucrânia, a crise na Sérvia também se acentuou e há possibilidades do começo de uma nova guerra nos países da antiga Iugoslávia.
“Damos as boas-vindas à Finlândia como o mais novo membro da nossa Aliança. Este é um passo histórico para a Finlândia e para a OTAN. Por muitos anos, trabalhamos de perto como parceiros; agora estamos juntos como Aliados. A adesão à OTAN torna a Finlândia mais segura e a OTAN mais forte. Reafirmamos nosso compromisso com a política de Portas Abertas da OTAN e com o Artigo 10 do Tratado de Washington. Cada nação tem o direito de escolher seus próprios arranjos de segurança. Esperamos dar as boas-vindas à Suécia como membro de pleno direito da Aliança e, a esse respeito, saudar o acordo alcançado entre o Secretário-Geral da OTAN, o Presidente da Turquia e o Primeiro-Ministro da Suécia.”
A conquista da Finlândia foi uma das grandes vitórias da OTAN no ano de 2023, basicamente dobrou sua fronteira de contato com a Rússia. É uma grande ameaça aos russos, mas que não chega nem aos pés do que é a sua fronteira sul, a Ucrânia, muito mais vulnerável que as terras constantemente congeladas de um país de menos de 6 milhões de pessoas. A Suécia, no entanto, é mais relevante pelo seu poder econômico. Ela também é uma potência imperialista tradicional com participação na dominação do planeta por meio de seus monopólios. Essa foi talvez a principal vitória da OTAN na organização da Cúpula. Na noite anterior ao evento, a Turquia, que embarreirava a adesão do país, acertou um acordo com a OTAN para aceitar a Suécia.
O caso da Turquia e da Suécia
A Turquia é um país chave na OTAN. É o país com o maior exército após os EUA e provavelmente o que mais cederia tropas em uma guerra por ser um país oprimido. Contudo, desde o início da presidência de Erdogan, e principalmente desde o golpe derrotado de 2016, o país turco se afastou cada vez mais do imperialismo. Para a OTAN isso é um grande problema, pois todos os países membros precisam aprovar a adesão de novos membros, que é o que está sendo discutido acerca da Suécia. Dos 31 países membros, a Turquia é justamente a que está em maior contradição com o imperialismo, o que gerou essa longa crise em relação à Suécia.
Em 2016, o imperialismo tentou derrubar Erdogan, que saiu vitorioso com um controle maior do regime político. Em 2023 houve mais uma tentativa de derrubar o presidente, por meios eleitorais. A pressão do imperialismo foi gigantesca para que seu candidato, Kiliçdaroglu, fosse vitorioso. A eleição foi extremamente polarizada entre o imperialismo e o candidato que tendia cada vez mais ao nacionalismo e que, por isso, nessa disputa, ganhou um amplo apoio dos trabalhadores. As tentativas de derrubar Erdogan são uma demonstração de que seu governo está cada vez mais desalinhado com o imperialismo, o que significa que ele se aproxima da Rússia e da China, e por estar no Oriente Médio, do Irã.
O que acontece, portanto, é que a OTAN não consegue nem mesmo controlar um de seus principais membros, algo que enfraquece a organização em si, pois o exército turco seria de primeira importância. Mas, nesse momento, Erdogan continua seu jogo de equilíbrio. Quase ao apagar das luzes, aceitou o acordo que irá permitir a adesão da Suécia à organização e, é claro, cobrando um preço. Em uma reunião entre o secretário-geral da OTAN, Jens Stoltenberg, e o primeiro-ministro da Suécia, Ulf Kristersson, algum acordo foi costurado. Segundo a Al Jazeera, poucas horas após o anúncio, os EUA afirmaram que enviarão jatos F-16 para a Turquia. Pode ser que esse tenha sido o preço de Erdogan.
O jornalista renomado Seymour Hersh afirmou que o presidente turco aceitou a proposta em troca de financiamento do FMI:
“Em um artigo publicado em sua conta Substack, Hersh escreveu que havia sido informado por uma fonte anônima que ‘Biden prometeu que uma linha de crédito muito necessária de US$ 11 a 13 bilhões’ seria estabelecida para a Turquia pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Isso seria em troca, sugeriu Hersh, de Erdogan remover a objeção de Ancara a Estocolmo se juntar ao bloco militar liderado pelos EUA antes da cúpula da OTAN que ocorreu esta semana na Lituânia.” (Biden offered Erdogan IMF money to ratify Sweden NATO bid – Seymour Hersh, RT, 13/7/2023). Ainda é cedo, contudo, para tirar conclusões sobre tal desenvolvimento. Ao mesmo tempo em que a Turquia acenou para a OTAN, também reatou relações com o Irã.
O problema russo é um problema internacional
O texto da organização atlântica então volta para a questão russa: “A paz na zona euro-atlântica foi abalada. A Federação Russa violou as normas e princípios que contribuíram para uma ordem de segurança europeia estável e previsível. A Federação Russa é a ameaça mais significativa e direta à segurança dos Aliados e à paz e estabilidade na área euro-atlântica. O terrorismo, em todas as suas formas e manifestações, é a ameaça assimétrica mais direta à segurança de nossos cidadãos e à paz e prosperidade internacional. As ameaças que enfrentamos são globais e interconectadas.” O imperialismo considera a Rússia seu grande inimigo militar, algo previsível dado que estão perdendo uma guerra contra Putin, de forma quase humilhante. E a OTAN em sua cúpula já expande seu leque de inimigos.
“Competição estratégica, instabilidade generalizada e choques recorrentes definem nosso ambiente de segurança mais amplo. Conflito, fragilidade e instabilidade na África e no Oriente Médio afetam diretamente nossa segurança e a segurança de nossos parceiros. As ambições declaradas e as políticas coercitivas da República Popular da China (RPC) desafiam nossos interesses, segurança e valores. Continuamos abertos a um envolvimento construtivo com a RPC, inclusive para construir transparência recíproca, com o objetivo de salvaguardar os interesses de segurança da Aliança. Continuamos a ser confrontados por ameaças cibernéticas, espaciais, híbridas e outras assimétricas e pelo uso malicioso de tecnologias emergentes e disruptivas.”
Primeiro uma citação da África e do Oriente Médio, onde há tropas da OTAN que garantidamente estão em guerra com as nações dessas regiões. Mas logo depois o imperialismo abre o jogo: o inimigo é a China, a nação que, após a Rússia que já desafia politicamente o imperialismo, é o grande problema. Ela, portanto, já começa a ser taxada de agressora; efetua “ameaças cibernéticas e hibridas”. Aqui, o imperialismo mais uma vez mostra sua face: a China já está na mira da OTAN. Uma guerra de proporções ainda maiores se prepara no Pacífico, guerra esta que tende a se unificar com os demais confrontos do planeta na Rússia/Europa, no Oriente Médio, na África e também na América Latina, onde a “paz” ainda é regra.
A questão russa
O texto então passa por uma longa crítica à Rússia: “A Rússia assume total responsabilidade por sua guerra de agressão ilegal, injustificável e não provocada contra a Ucrânia, que minou gravemente a segurança euro-atlântica e global e pela qual deve ser totalmente responsabilizada […] Não reconhecemos e nunca reconheceremos as anexações ilegais e ilegítimas da Rússia, incluindo a Crimeia […] A destruição da barragem de Kakhovka destaca as consequências brutais da guerra iniciada pela Rússia. A guerra da Rússia teve um impacto profundo no meio ambiente, na segurança nuclear, na segurança energética e alimentar, na economia global e no bem-estar de bilhões de pessoas em todo o mundo. Os aliados estão trabalhando para permitir as exportações de grãos ucranianos e apoiar ativamente os esforços internacionais para aliviar a crise alimentar global.”
A questão da Crimeia demonstra que os objetivos da OTAN são de não ceder nada para os russos. Querem, na realidade, a vitória do golpe de 2014, algo que está totalmente fora de cogitação. A questão da barragem é a continuidade do cinismo imperialista que mente até nos comunicados oficiais de suas principais organizações. A barragem citada foi destruída por artilharias ucranianas e não russas, assim como os ucranianos bombardearam de forma muito perigosa, por mais de uma semana, a maior usina nuclear da Europa, Zaporíjia. Eles também citam a crise alimentar, como se os russos fossem culpados pela fome que o imperialismo causa no planeta. Mas, além disso, Putin fez questão de realizar acordos com as nações africanas para doar grãos, dado que a guerra de fato afetou as exportações.
“Instamos todos os países a não fornecer qualquer tipo de assistência à agressão da Rússia e condenamos todos aqueles que estão facilitando ativamente a guerra da Rússia. O apoio da Bielorrússia tem sido fundamental, pois continua a fornecer seu território e infraestrutura para permitir que as forças russas ataquem a Ucrânia e sustentem a agressão da Rússia. Em particular, a Bielorrússia, mas também o Irã, devem acabar com a sua cumplicidade com a Rússia e voltar a cumprir o direito internacional.”
Outro ponto-chave da política imperialista, o Irã aparece em destaque, isso porque se tornou uma potência militar. Ele de fato participa da guerra na Ucrânia, principalmente com fornecimento de drones, mas está sendo um grande entrave no Oriente Médio, que em conjunto com a China está restruturando todo o alinhamento político da região.
“A Rússia intensificou suas ações híbridas contra aliados e parceiros da OTAN, inclusive por meio de procurações. Isso inclui interferência em processos democráticos, coerção política e econômica, campanhas de desinformação generalizadas, atividades cibernéticas maliciosas e atividades ilegais e perturbadoras dos serviços de inteligência russos. Estamos aprimorando as ferramentas à nossa disposição para combater as ações híbridas russas e garantiremos que a Aliança e os Aliados estejam preparados para dissuadir e se defender contra ataques híbridos.”
Aqui existe uma menção velada à imprensa russa, cujos meios são acusados de propagar campanhas de desinformação e, por isso, estão censurados em quase todos os países da OTAN. A imprensa das nações imperialistas, na verdade, criou uma nova camada sobre a guerra militar, uma verdadeira guerra de propaganda, talvez a maior da história até hoje, dada a força dos monopólios de imprensa.
A questão chinesa
Após essa longa crítica à Rússia, da qual apenas os trechos mais importantes foram reproduzidos aqui, o documento começa uma longa crítica à China: “As ambições declaradas e as políticas coercitivas da República Popular da China desafiam nossos interesses, segurança e valores. A RPC emprega uma ampla gama de ferramentas políticas, econômicas e militares para aumentar sua presença global e poder de projeto, enquanto permanece opaca sobre sua estratégia, intenções e reforço militar. As operações híbridas e cibernéticas maliciosas da RPC e sua retórica de confronto e desinformação visam os Aliados e prejudicam a segurança da Aliança. A RPC procura controlar os principais setores tecnológicos e industriais, infraestrutura crítica e materiais estratégicos e cadeias de suprimentos. Ela usa sua influência econômica para criar dependências estratégicas e aumentar sua influência. Ela se esforça para subverter a ordem internacional baseada em regras, inclusive nos domínios espacial, cibernético e marítimo.”
“Continuamos abertos a um envolvimento construtivo com a RPC, inclusive para construir transparência recíproca, com o objetivo de salvaguardar os interesses de segurança da Aliança. Estamos trabalhando juntos com responsabilidade, como Aliados, para enfrentar os desafios sistêmicos colocados pela RPC à segurança euro-atlântica e garantir a capacidade duradoura da OTAN de garantir a defesa e a segurança dos Aliados. Estamos aumentando nossa consciência compartilhada, aprimorando nossa resiliência e preparação e protegendo contra as táticas coercitivas e os esforços da RPC para dividir a Aliança. Defenderemos nossos valores compartilhados e a ordem internacional baseada em regras, incluindo a liberdade de navegação.”
“O aprofundamento da parceria estratégica entre a RPC e a Rússia e suas tentativas de reforço mútuo de minar a ordem internacional baseada em regras vão contra nossos valores e interesses. Apelamos à RPC para desempenhar um papel construtivo como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para condenar a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, para se abster de apoiar o esforço de guerra da Rússia de qualquer forma, para parar de amplificar a falsa narrativa da Rússia culpando a Ucrânia e a OTAN pela guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia e para aderir aos propósitos e princípios da Carta da ONU. Pedimos particularmente à RPC que aja com responsabilidade e se abstenha de fornecer qualquer ajuda letal à Rússia.”
Alguns aspectos se destacam na política da OTAN sobre a China. O grande problema é a sua tentativa de “controlar” setores industriais, tecnológicos, suprimentos, infraestrutura, etc. Basicamente, o imperialismo teme que o grande crescimento econômico da China afete seus monopólios, que controlam o planeta. Isso já se expressou na questão dos celulares, no que tange o 5G e também no próprio mercado onde a Huawei e a Xiaomi já têm capacidade de competir com as empresas imperialistas, onde não se impõe um bloqueio a esses produtos. Fato interessante é o uso do termo “dependência estratégica” para se referir à relação da China com outros países. Ele converge com o uso da teoria da “dependência” por setores da esquerda pequeno-burguesa, os mesmos que atacam a China como “subimperialista” ou até mesmo imperialista.
O texto também faz questão de frisar a questão da navegação. Esse ponto remete à questão de Taiuã e do Mar do Sul da China. Lá é onde tende a explodir o confronto militar. Inclusive, em 2022, a ilha foi palco de uma grande provocação do imperialismo quando a presidenta do Congresso dos EUA, Nancy Pelosi, a visitou sem permissão do governo da China. Foi uma verdadeira crise militar com ampla movimentação da marinha e da força aérea chinesa. A escalada levou a uma presença ainda maior da marinha chinesa nos entornos da ilha. O crescimento dessa marinha também apresenta um grande desafio ao imperialismo, e isso remete à participação de Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul e Japão, como citado acima.
E, por fim, a crítica do alinhamento da China com a Rússia na questão da guerra da Ucrânia. Esse ponto crucial deve se desenvolver em breve em uma campanha da OTAN contra os BRICS. Os cinco países que compõem o bloco se opõem, mais ou menos, à presença da OTAN na Ucrânia e, já no mês de agosto, é possível que mais de 20 nações adentrem o bloco. Dentre elas, o próprio Irã e países de grande importância em todos os continentes como Argentina, Arábia Saudita, Nigéria e Indonésia.
Reativando a máquina de destruição do imperialismo
Outro ponto relevante é a declaração sobre o orçamento militar: “De acordo com nossas obrigações, nos termos do Artigo 3 do Tratado de Washington, assumimos o compromisso duradouro de investir pelo menos 2% de nosso Produto Interno Bruto (PIB) anualmente em defesa. Fazemo-lo reconhecendo que é necessário mais urgentemente para cumprir de forma sustentável os nossos compromissos como Aliados da OTAN, incluindo o cumprimento dos requisitos de equipamentos importantes e os Objetivos de Capacidade da OTAN, para fornecer recursos aos novos planos de defesa e modelo de força da OTAN, bem como para contribuir para as operações e missões e atividades da OTAN. Afirmamos que, em muitos casos, serão necessárias despesas superiores a 2% do PIB para remediar as deficiências existentes e cumprir os requisitos em todos os domínios decorrentes de uma ordem de segurança mais contestada.”
Há uma pressão do imperialismo sobre o orçamento dos Estados para que mais seja investido na indústria bélica. Dos 31 países, apenas onze devem atingir o marco dos 2% esse ano (Number of NATO allies spending 2% of GDP on defence to jump this year, Euronews, 7/7/2023). Isso significa que a OTAN pode ter um aumento de orçamento militar em 20 países! E isso em quase todas as maiores economias da Europa, afinal apenas a Inglaterra atingiu os 2%. Um aumento de orçamento militar na Alemanha, França, Holanda, Bélgica, Itália, França, Portugal, Dinamarca e Noruega teria um impacto gigantesco. Esse ponto é crucial, pois é difícil se ter uma noção do que é um aumento de investimento nessa indústria pelo imperialismo.
É preciso ter uma escala do que são os PIBs da Europa. Em 2022 as nações citadas acima atingiram o marco de: Alemanha, € 3,8 trilhões; França, € 2,6 trilhões; Itália, € 1,9 trilhão; Espanha, € 1,3 trilhão; Holanda, € 941 bilhões; Noruega, € 550 bilhões; Bélgica, € 550 bilhões; Dinamarca, € 376 bilhões; Portugal, € 240 bilhões (Gross domestic product at current market prices of selected European countries in 2022, Statista, 20/6/2023). Somando o PIB destes países se alcança o marco de 12,25 trilhões de euros. O PIB da Rússia, por sua vez, é de cerca de € 1,64 trilhão. O tamanho das economias imperialistas permite que, se esse pequeno aumento acontecer (de 0,1 até 0,8 do PIB), será o equivalente a dezenas, senão centenas de bilhões, a mais por ano em investimento militar. Isso sem contar a economia dos EUA que é de € 21,3 trilhões – que, apesar de já ter passado do orçamento de 2%, sempre pode aumentar ainda mais seus gastos militares.
As colônias da OTAN
O documento, em seu fim, explica um pouco a política da OTAN para a Bósnia, a Moldávia e a Geórgia: “Continuamos comprometidos com o engajamento contínuo da OTAN em Cossovo, inclusive por meio da Força de Cossovo liderada pela OTAN (KFOR). A KFOR continuará a proporcionar um ambiente seguro e protegido e liberdade de movimento no Cossovo, de acordo com a Resolução 1244 do CSNU. As recentes ações de escalada são inaceitáveis e condenamos a violência no norte do Cossovo, bem como os ataques não provocados que causaram ferimentos graves aos soldados da OTAN . Aumentamos a presença de tropas da KFOR para responder às tensões recorrentes. Quaisquer alterações à postura da nossa força na KFOR permanecerão baseadas nas condições e não no calendário.”
O que acontece na região é que a guerra da Rússia contra a OTAN levantou os ânimos dos sérvios, aliados antigos dos russos. A Sérvia é o principal país da Iugoslávia, que foi destruída pela OTAN na década de 1990. Para garantir essa divisão, a OTAN invadiu a Sérvia e criou o Estado fantoche do Cossovo com tropas norte-americanas em território da Sérvia. A derrota da OTAN na Ucrânia, portanto, pode ocasionar um levante dos povos dos Balcãs e uma tendência de reunificação da Iugoslávia. Por isso, a OTAN reafirma a sua presença em território sérvio, inclusive com um envio de tropas em 2023. A Bósnia e Herzegovina, por sua vez, é citada, pois está em processo de adesão à OTAN, e não só isso como é o único país da antiga Iugoslávia que ainda não aderiu, com exceção da própria Sérvia. A OTAN nesse sentido atua como força de ocupação na quase totalidade da Iugoslávia.
O comunicado continua falando sobre as nações do Mar Negro, primeiramente sobre a Geórgia: “Apreciamos muito as contribuições substanciais da Geórgia para as operações da OTAN, que demonstram seu compromisso e capacidade de contribuir para a segurança euro-atlântica. Continuamos empenhados em fazer pleno uso da Comissão OTAN-Geórgia e do Programa Nacional Anual (PNA) para aprofundar o diálogo político e a cooperação prática com a Geórgia. Reiteramos a decisão tomada na Cúpula de Bucareste de 2008 de que a Geórgia se tornará membro da Aliança com o Plano de Ação de Adesão (PAA) como parte integrante do processo; (…) a Geórgia deve fazer progressos nas reformas, incluindo as principais reformas democráticas, e fazer o melhor uso do PNA.”
O Cáucaso por muito tempo foi uma região de ataque do imperialismo à Rússia. A Geórgia foi palco de uma das intervenções mais violentas, o que desencadeou uma guerra em 2008. A Chechênia, por um tempo, também foi foco de desestabilização do imperialismo. Neste ano, o imperialismo tentou dar um golpe anti-Rússia no governo da Geórgia por meio das ONGs. A OTAN basicamente declara que continuará com sua intervenção no país, o que fica claro na ideia das “reformas democráticas”. O Plano de Ação de Adesão é a porta de entrada para a OTAN, sendo o plano final da organização ter mais um país membro na fronteira da Rússia. A Turquia, outro país da OTAN na região, não tem essa fronteira. Atualmente, o único país que está no PAA é a própria Bósnia e Herzegovina.
Por fim, há o caso da Moldávia: “Reiteramos nosso apoio à integridade territorial e à soberania da República da Moldávia dentro de suas fronteiras reconhecidas internacionalmente e exortamos a Rússia a retirar todas as suas forças estacionadas na região da Transnístria sem o consentimento da Moldávia. Permanecemos firmes em nosso apoio ao direito da Moldávia de decidir seu próprio futuro e curso de política externa livre de interferência externa e respeitamos totalmente a neutralidade constitucional da Moldávia. A OTAN intensifica o apoio político e prático para fortalecer a sua resiliência e defender a sua independência política à luz da deterioração do ambiente de segurança. Os Aliados saúdam os esforços da Moldávia para promover reformas democráticas e estão empenhados em apoiar a Moldávia à medida que avança na sua integração europeia.”
Mais uma vez a questão crucial é atacar a Rússia. No caso da Moldávia, uma parcela do seu território tem uma população russa que deseja a independência, na Transnístria. Não apenas isso, como essa região faz fronteira com a Ucrânia, com a região de Odessa, que também é de grande população russa. Nesse sentido, a Transnístria poderia servir de base dos russos ou até justificativa para eles tomarem esse território. É a única região de ampla população russa que não foi conquistada pela operação militar especial. Dentro da Rússia há um setor que deseja que a guerra só acabe com a tomada de Odessa. A presença do ministro de Relações Exteriores da Moldávia na Cúpula é uma forma de pressionar o país a se manter na linha e até a tomar medidas contra essa região de população russa.
Onde acaba o Atlântico Norte?
O comunicado fecha com alguns recados finais. Um dos alvos de ameaça é novamente o Irã: “O apoio do Irã à guerra de agressão russa contra a Ucrânia tem impacto na segurança euro-atlântica. Pedimos ao Irã que cesse seu apoio militar à Rússia, em particular a transferência de veículos aéreos não tripulados que foram usados para atacar infraestrutura crítica, causando baixas civis generalizadas. Expressamos nossa séria preocupação com as atividades maliciosas do Irã em território aliado. Também pedimos ao Irã que se abstenha de ações desestabilizadoras, incluindo apreensão de embarcações marítimas, e que desempenhe um papel construtivo na promoção da estabilidade e da paz regionais.” Trata-se de uma declaração pseudo diplomática que vem logo após a declaração de que a OTAN manterá sua operação no Iraque, país vizinho do Irã.
E ainda uma nota sobre a questão do Pacífico: “O Indo-Pacífico é importante para a OTAN, dado que os desenvolvimentos nessa região podem afetar diretamente a segurança euro-atlântica. Saudamos a contribuição de nossos parceiros na região da Ásia-Pacífico – Austrália, Japão, Nova Zelândia e Coréia do Sul – para a segurança no Euro-Atlântico, incluindo seu compromisso de apoiar a Ucrânia. Fortaleceremos ainda mais nosso diálogo e cooperação para enfrentar nossos desafios de segurança compartilhados, inclusive em defesa cibernética, tecnologia e híbridos, sustentados por nosso compromisso compartilhado de defender o direito internacional e a ordem internacional baseada em regras.” Esse é o prenúncio da expansão da OTAN, que deixa de ser apenas a organização do Atlântico Norte para se tornar a organização da ditadura em todos os mares.
A cúpula, portanto, em sua declaração pública, teve como principal foco a questão da Rússia, como era de se esperar. E tocou nos pontos que mais desafiam o imperialismo atualmente, além dos países que cercam a Rússia, em ordem crescente de importância, a questão da Sérvia, a questão do Irã, e a questão da China. Mas é uma cúpula que não demonstra a violência imperialista em seu maior estágio, pois a sua realização provavelmente foi muito debilitada pelo anticlímax da guerra. A única vitória foi anunciada na noite anterior, a provável adesão da Suécia à OTAN, contudo já está claro que o país não servirá para a vitória na guerra da Ucrânia. Guerras, porém, na atual etapa de decadência do capitalismo, não estarão em falta.
Ucrânia na OTAN: o elefante branco
O que ficou de fora de toda essa discussão é o elefante branco na sala: a própria entrada da Ucrânia na OTAN. Em relação a isso nada avançou. Diante do fracasso total em um ano e meio de guerra, Zelensky parece desejar esse caminho, seria uma garantia de que o país não seria abandonado diante do urso do leste. Contudo, incluir a Ucrânia na OTAN significaria fazer com que a guerra deixasse de ser em um pequeno território no leste europeu e se transformasse na guerra da Rússia contra 31 países – uma guerra com a participação de quatro nações com armas nucleares. O imperialismo claramente não está disposto a assumir essa política.
Nas palavras do presidente ucraniano: “Parece que não há disposição nem para convidar a Ucrânia para a OTAN, nem para torná-la membro da aliança… Para a Rússia, isso significa motivação para continuar seu terror”. O presidente dos EUA, Joe Biden, deu uma resposta sem muito conteúdo: “Concordamos com a linguagem que propusemos e você propôs em relação ao futuro da Ucrânia podendo ingressar na OTAN”. O ucraniano, por sua vez, não satisfeito, ainda respondeu: “sem precedentes e absurdo quando [um] prazo não é definido, nem para o convite, nem para a adesão da Ucrânia”.
Um fato que ficou em destaque sobre a cúpula foi o comentário do secretário de Defesa britânico, Ben Wallace: “quer gostemos ou não, as pessoas querem ver um pouco de gratidão”. “Às vezes você está pedindo aos países que desistam de seus próprios estoques [de armas]. Às vezes você tem que persuadir os legisladores no [Capitólio] na América”, continuou. No ano passado, quando esteve na Ucrânia, também declarou ao presidente ucraniano quando esse lhe passou uma lista de armas: “não somos a Amazon”. Zelensky, por sua vez, não gostou da declaração e respondeu debochadamente que prometeria “acordar todas as manhãs e agradecer pessoalmente ao ministro”. O conselheiro de defesa dos EUA também fez uma declaração semelhante: “acredito que o povo americano mereça um certo grau de gratidão”. O caso mostra que conforme a guerra não apresenta soluções, se abre uma distância entre a OTAN e a Ucrânia, o que pode levar o governo a cair, pois perderia sua única base de sustentação.
O premiê britânico também apresentou considerações sem conteúdo sobre a adesão do país: “o lugar de direito da Ucrânia é na OTAN. O importante nesta cúpula é que o compromisso seja reafirmado e que haja um progresso demonstrável em direção a esse objetivo e acho que é isso que você verá”. Não apresentou nenhuma proposta real.
A única alternativa que as nações apresentaram à Ucrânia é mais auxílio militar, algo que até agora não tem dado resultado e nada indica que terá um impacto positivo para a vitória. A OTAN se encaminha para a política de desgaste da Rússia, sem uma perspectiva real de fim da guerra, muito menos de derrota dos russos.
A reação de Vladimir Putin
A Rússia foi o foco de um evento de dois dias em que todas as nações imperialistas se reuniram para discutir como seguirão atacando militarmente o país. O presidente Putin, contudo, não pareceu expressar grandes preocupações, nem em suas ações e nem em suas palavras. Expressando mais uma vez o fracasso que foi a Cúpula da OTAN. A única decisão concreta foi o envio de mais armamentos à Ucrânia, algo que já aconteceria de uma forma ou de outra. No dia 16 de julho, quatro dias após a cúpula, na Plenária do Fórum Econômico Internacional em São Petersburgo, foi perguntado ao presidente a sua posição sobre a OTAN. Ele respondeu:
“A OTAN está se envolvendo na guerra na Ucrânia. Sobre o que estamos conversando? Há entregas de equipamento militar, equipamento pesado. Agora eles também estão considerando o fornecimento de aeronaves. Já mencionei hoje que estamos vendo tentativas de montar ataques de duas companhias com o apoio de cinco tanques em uma área. Uma companhia e meia apoiada por dois tanques faz tentativas em outra área. Os tanques estão queimando; vários tanques foram destruídos, incluindo os Leopards. Vários tanques, incluindo os Leopards, queimaram ontem também. Eles estão queimando. Os F-16 também estarão queimando, sem dúvida.”
Na semana seguinte, em rede televisiva, o presidente Putin declarou sobre os novos membros da OTAN: “não temos problemas com a Suécia e a Finlândia, o que temos é problemas com a Ucrânia. Elas querem se juntar à OTAN, vão em frente. Mas elas devem entender que não havia ameaça antes, enquanto agora, se contingentes militares e infraestrutura forem implantados lá, teremos que responder da mesma forma e criar as mesmas ameaças para os territórios de onde as ameaças contra nós são criadas. Tudo estava bem entre nós, mas agora pode haver algumas tensões, certamente haverá. É inevitável se houver uma ameaça para nós.”
Sobre a questão da Suécia, há um fator importante: o presidente turco tem boas relações com Vladimir Putin desde que ele o ajudou a conter o golpe de 2016. Não só os serviços de inteligência russa devem ter muita informação sobre o acordo, como também os próprios governos da Turquia e da Rússia devem manter contato sobre tudo relacionado à OTAN. Dois meses antes da cúpula da organização atlanticista, Erdogan declarou à CNN: “não estamos em um ponto em que imporíamos sanções à Rússia como o Ocidente fez. Não estamos sujeitos às sanções do Ocidente. Somos um Estado forte e temos uma relação positiva com a Rússia.” Isso em meio a enorme pressão da campanha eleitoral e ainda sendo declarado para um dos mais agressivos órgãos da imprensa imperialista.
O verdadeiro imperialismo
Ao assistir à transmissão da Cúpula da OTAN, qualquer pessoa que não compreenda muito de política, apenas pelas imagens, consegue sentir o nível de brutalidade que se esconde por trás de todo o prestígio. Os chefes de Estado são convidados um a um para o momento da foto unificada. Todos entram de terno, sorridentes, cada um representando bilhões em gastos militares, dezenas de milhares de soldados, tanques, jatos, frotas navais, bombas nucleares. No fim entra Joe Biden, que mesmo com claros sinais de senilidade, parece estar no controle de tudo. Para os religiosos, pode parecer até mesmo algo diabólico.
Todas as nações imperialistas do mundo, que impõem uma brutal ditadura em todos os continentes, se encontram para discutir a guerra. E está claro que seu desejo é realmente a guerra. O imperialismo tem uma compreensão clara de que para se manter no controle do mundo precisará ser cada vez mais violento. Já aponta quem serão seus grandes inimigos, convida diversos países do Pacífico em preparação à guerra contra a China, tenta dobrar o seu antigo serviçal no Oriente Médio para facilitar o seu massacre na região. No fim, a decisão foi que é preciso aumentar ainda mais a maior máquina de guerra da história da humanidade.
O próprio comunicado oficial termina nesse tom: “a OTAN continua a ser a Aliança mais forte da história. Tal como no passado, resistiremos ao teste do tempo salvaguardando a liberdade e a segurança dos nossos Aliados e contribuindo para a paz e a segurança. Expressamos nosso apreço pela generosa hospitalidade que nos foi oferecida pela República da Lituânia. Esperamos nos encontrar novamente para o 75º aniversário da Aliança em Washington, D.C. em 2024, seguido por uma reunião na Holanda em 2025.”
Nos 75 anos da OTAN, o imperialismo fará a reunião em sua capital internacional, Washington. Ainda há um ano de preparo. Um ano também de crises, revoltas, rebeliões e até, quem sabe, revoluções antes da próxima cúpula. O que só deixa uma conclusão ainda mais certa: o que esse ano parece um grande preparo para uma intervenção brutal contra a Rússia e outras nações oprimidas do mundo parecerá pequeno com o que será definido nos EUA. O grande leão do imperialismo, envelhecido e decadente, não irá se aposentar, mas rosnar e atacar até o dia de sua morte.