Manoel Francisco dos Santos, popularmente conhecido como Garrincha, foi, sem dúvida, um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos. O famoso ponta-esquerda do Botafogo e da Seleção Brasileira estaria atrás apenas do próprio “Rei do Futebol”, o Pelé.
Há 40 anos, em 20 de janeiro de 1983, Manoel Francisco dos Santos morreu aos 49 anos, mas deixou um importante legado para a história do futebol. Como diria a música Balada nº7, de Moacyr Franco, feita em sua homenagem, “hoje outros craques repetem as suas jogadas”. Garrincha foi a expressão do período do auge do futebol brasileiro, sendo um dos integrantes do escrete nacional que conquistou as duas primeiras Copas do Mundo para o Brasil.
Apelidado de “Alegria do Povo”, seus dribles desconcertantes deixavam os zagueiros em situações cômicas. Seu rápido impulso, muitas vezes, deixava seus marcadores caídos, de bunda no chão. Por isso, assistir Garrincha, no Maracanã, ou em outro estádio, era, não apenas assistir a um jogo de futebol, mas a um verdadeiro espetáculo. Seu colega de Seleção, e um dos maiores laterais direitos da história, Djalma Santos, certa vez o comparou ao diretor e ator de cinema Charlie Chaplin: “ele tinha um espírito infantil. Garrincha foi a resposta do futebol para Charlie Chaplin”.
Nas décadas de 1950 e 1960, o Brasil se consolidava como a principal força do futebol mundial. O resultado de sua transformação em um fenômeno de massas, a partir da década de 1930, permitiu uma verdadeira revolução na forma de se praticar o esporte bretão — que se transformou numa arte nos pés de pobres, operários, mestiços e negros do Brasil.
Garrincha era, não somente, um artista genial com as bolas nos pés, como foi um dos maiores responsáveis pela evolução do chamado “futebol-arte”. Um menino pobre, oriundo de uma família miscigenada de negros e índios nordestinos, Manoel Francisco dos Santos nasceu em Pau Grande, bairro do município de Magé no Rio de Janeiro, em 1933. Logo cedo, começou a trabalhar em uma fábrica de tecidos da região, disputando pela equipe amadora da empresa.
O Anjo das Pernas Tortas
Os espetáculos que promovia no clube fundado pelos operários da fábrica têxtil rapidamente o sobressaltam em relação aos outros jogadores. Quando decidiu que queria ser jogador de futebol profissional, fez testes em diversos grandes clubes do Rio, mas não teve a chance de mostrar suas habilidades devido à sua condição física de nascença: Garrincha tinha as pernas tortas, sua perna direita era seis centímetros mais curta que a esquerda. Ambas as pernas eram flexionadas para o lado esquerdo.
Nenhum clube quis aceitar o “aleijado”. Era uma anomalia; como um indivíduo com pernas tortas poderia se tornar jogador de futebol, um esporte que se pratica com os pés? Apenas o Botafogo o aceitou em 1953. O jovem Manoel, de 20 anos, teria primeiro de realizar um teste: teria de passar por Nilton Santos, já um renomado craque do futebol nacional naquele momento. O escritor, poeta e jornalista brasileiro Paulo Mendes Campos descreve o célebre encontro entre os dois:
“Quando Garrincha apareceu para treinar em General Severiano [sede do Botafogo], a diretoria estava à procura de um ponta-direita. Nilton Santos, um pouco por comodismo, um pouco por humorismo, marcava os candidatos à posição no grito. O ponta pegava a bola e antes de conseguir dominá-la, já sabendo que estava ali o maior zagueiro-lateral do mundo, ouvia um grito: ‘Oi!’. A bola lhe escapava dos pés e Nilton se apoderava dela tranquilamente. Uma tarde apareceu para treinar um menino de pernas exageradamente tortas. Já no vestiário, o técnico Gentil Cardoso, rindo-se, chamava a atenção para a anomalia física do novato: aquele sujeito podia ser tudo na vida, menos jogador de futebol. Começou o treino. Lá pelas tantas uma bola sobrou para Garrincha (só em último recurso se faz um passe a um estreante). Nilton Santos, como de costume, gritou ‘oi’. O menino das pernas tortas, petulante, matou a bola e ficou esperando. Ficou esperando naquela posição de desafio que ficaria conhecida. Nilton, ferido pela ousadia, partiu para cima do garoto com decisão. Talvez, nesse momento, estivesse em jogo o futuro de Garrincha: se Nilton lhe tomasse a bola e lhe aplicasse como corretivo duas ou três fintas, possivelmente, Gentil Cardoso não esperaria muito tempo para enviar o novato ao chuveiro. Sem permitir-lhe maiores oportunidades. Apesar desse perigo, a despeito de não estar enfrentando um marcador qualquer, Garrincha escolheu o caminho mais difícil: driblar Nilton Santos ou voltar para o trabalho pesado e mal pago da fábrica de tecidos. Só três vezes, em toda sua carreira, Nilton levou um drible entre as pernas: a primeira foi ali, o primeiro a realizar a façanha foi aquele novato. A turma fanática, que não perde treino, ficou boquiaberta; boquiaberto ficou o técnico; o lance abria um crédito de curiosidade para Garrincha, seu destino estava salvo”.
Garrincha surpreendeu a todos ao driblar “o maior zagueiro-lateral” do mundo, que rapidamente pediu para o jogador ser contratado. O grande Nilton Santos, da Seleção Brasileira, foi, então, o primeiro “João” — apelido que recebiam os marcadores fintados por Mané Garrincha. O técnico do Botafogo, Gentil Cardoso, teria dito: “parece piada. Só mesmo no Botafogo que torto pega primeiro time”. Não fosse a insistência de Arati, ex-jogador do Alvinegro do Rio, provavelmente nunca o técnico o teria deixado treinar. No Vasco da Gama, onde tentara a sorte antes, o clube o mandou ver um ortopedista, sem lhe dar oportunidade de mostrar seu talento. Ao se tornar um dos maiores jogadores da história do futebol, Garrincha, portanto, desafiou as leis da física e da biologia. Era uma anomalia, seria impossível que fosse longe, onde chegou, com sua condição de aleijado.
O mais brasileiro dos jogadores
Quando Garrincha chegou ao Botafogo, em 1953, o time era melancólico. Desde 1948, não conquistava o Campeonato Carioca. O clube estava órfão de um craque no ataque desde a saída de Heleno de Freitas. Quem chegara para assumir a posição de “maioral” após a saída do atacante foi Nilton Santos — mas este jogava na defesa, pelas alas, numa posição que, naquela época, não costumava subir tanto quanto sobem os laterais hoje em dia.
“Agora, o garoto torto estava no primeiro time do Botafogo. Um time sem alegria, ou melhor, onde a única satisfação era a tristeza de ver um craque como Nilton Santos jogando uma barbaridade e perdendo, perdendo, levando o time nas costas”, conta Maneco Muller, em seu livro-coletânea sobre a carreira de Nilton Santos, “O velho e a bola” (2013). A estreia de Garrincha, em jogo do Botafogo contra o Bonsucesso, foi o indício que as coisas mudariam a partir da chegada do jogador. Conta Muller:
“O primeiro tempo daquele jogo foi monótono e feio. Além de tudo, mais uma vez, o Botafogo estava sendo derrotado: 2 × 1. Inesperadamente, o garoto das pernas tortas começa a desencabular, a sair da extrema e procurar o meio-campo como se estivesse em uma pelada. Garrincha para e olha. Para e dribla. Dribla e chuta. O chute é profissional, pega firme e sai em ziguezague. Quando sai um córner lá pelo lado esquerdo, ele surpreende a todos, sai correndo por trás do gol e pede para bater. O outro extrema fica perplexo e deixa. Atira com o pé direito em curva, córner perigoso, execução perfeita. O garoto embaralha um pouco a estrutura do ataque, pois corre atrás do jogo onde ele estiver. Por mais que Geninho grite ‘levanta a cabeça’, ele abaixa a cabeça e não passa para ninguém. É verdade, também, que ele confunde a defesa do Bonsucesso, a tal ponto que o extrema pergunta a Nilton: ‘Quem é esse cara doido?’
“De repente, quando o Botafogo perdia por 2 × 1, cai do céu um pênalti. O juiz apita e aponta a marca branca. Geninho agarra a bola e olha para ver quem vai bater. Uns olham para o chão, outros encolhem os ombros. Se algum desgraçado perdesse a penalidade naquela altura das coisas, estava frito, levaria vaia e era até capaz de parar na reserva. Vem Garrincha, gingando o corpo, tira a bola das mãos de Geninho. — Deixa que eu bato. O capitão olha para o banco onde está sentado o técnico. Este tira o boné e coça a cabeça. A essa altura, o juiz apitou, o garoto correu e, bumba. Gol fácil. Do nosso lado direito, lá nas arquibancadas, surgem faixas, gritos que abafam a nossa admiração, bombas que estouram na cabeça dos jogadores. Alguém explica: — São torcedores dele. Realmente, uma das faixas dizia: ‘Pau Grande saúda o seu ídolo’.
“O que eu sei é que o estreante ainda fez mais dois gols. A cidade inteira a falar do garoto de pernas tortas. Janotinha, Mané pegou o trem com os torcedores. O ‘Mata-sapo’ andou 70 quilômetros sacolejando. Quando foram chegando, todos tiraram os sapatos, o maquinista deu a meia-trava combinada e eles saltaram. A cidade de Pau Grande não tinha estação, não era parada, mas quem não sabia que ali se diminuía a marcha para Mané descer de costas? Os três mil habitantes do vilarejo tinham ouvido no rádio as proezas do Mané. E o ídolo foi levado em triunfo até o botequim principal da cidade, onde os rapazes beberam cerveja e falaram de futebol. Era o ano de 1953. A cidade de Pau Grande não constava de nenhum mapa”.
Certamente, nesta partida surgia não apenas um ídolo de Pau Grande, mas de todo o Brasil e do mundo. No entanto, a situação não foi fácil para Garrincha. Seu estilo gingado, um produto nacional de primeiríssima qualidade, sofria intensos ataques em meados da década de 1950. O Brasil tinha então o melhor futebol e os melhores jogadores do mundo, mas havia perdido as Copas de 1950 e 1954. Numa campanha contra o futebol brasileiro, para atingir os setores nacionalistas que governavam o país naquele momento, a imprensa pró-imperialista aproveitava-se dos fracassos para desmoralizar a Seleção e rebaixar o povo brasileiro. E, assim, Mané Garrincha, “o mais brasileiro dos jogadores”, como apontou Muller, era alvo constante de críticas.
Assumiu o Botafogo o técnico Zezé Moreira, que Muller chamou de “o técnico mais rigorosamente britânico do nosso futebol”, um estudioso da tática que introduziu um novo sistema: a marcação por zona, hoje muito utilizada. Garrincha, totalmente despreocupado com sistemas táticos, era um “anti-Zezé”. Mané era o que se buscava atacar naquele período: um artista da bola. Garrincha só se tornaria um importante fenômeno nacional em 1957, com a conquista do Campeonato Carioca pelo Botafogo.
Durante cerca de quatro anos, foi atacado por todos os lados: “burro”, “peladeiro”, “maluco”. Era a campanha anti-nacional ecoando. Nilton Santos explica:
“Teoricamente, o Mané joga o futebol mais errado que alguém já jogou no mundo. Se eu tivesse que ensinar a um jovem extrema, diria: ‘você está vendo aquele ali? Preste muita atenção ao seu jogo e faça tudo ao contrário’ […] Mané pode fazer tudo errado porque ele é um fenômeno da natureza, mas nunca poderá ser imitado. Fisicamente, ele driblou todos os prognósticos, inclusive o do médico que o olhou, ainda bebê, e disse que aquele garoto nunca conseguiria caminhar. Teoricamente, ele é um aleijado, não há ortopedista que não diga isso.”
“Esse garoto que mal podia se equilibrar entrou nas peladas de bola de meia e aprendeu a fazer as coisas de maneira diferente. Veja bem. Um bom ponta, ao receber a bola, tem duas maneiras de agir. Se é homem de muito pique e boa habilidade, normalmente joga a bola para a frente e ganha do marcador na velocidade, retoma a bola e tenta o passe ou o tiro. Geralmente os que fazem isso são bons chutadores e têm pouco futebol. O extrema mais difícil de marcar é aquele que traz a bola perto do pé e, ao invés de fugir, parte para cima de seu marcador. Ele vem fazendo ziguezague em alta velocidade e pega você parado, passando por sua perna de apoio. Alguns, como Julinho [Botelho], vêm ao seu encontro fazendo tabela de um pé para outro, com rapidez incrível. Já o Mané não é como ninguém. Ele recebe a bola, corre até a entrada da área e, ao invés de aproveitar a velocidade e o corre-corre da defesa, ele para. É o único atacante do mundo que prefere os defensores em fila. Além disso, dribla de contra-ataque. Mané faz como os boxeadores que esperam, às vezes até oferecendo a cara. Quando o adversário desfere o murro, ele esquiva e coloca o seu soco. Você compreende que esse sistema é pessoal e não tem nada a ver com o resto do futebol? Qualquer jogada de conjunto termina no Mané. E ele recomeça tudo.”
[…]
“No ano em que Mané aparece, tentava-se disciplinar definitivamente o futebol brasileiro. O diretor do clube, o técnico e o público achavam que o sistema de Flávio [Costa, treinador da Seleção de 1950] não funcionava, era preciso continuar procurando. Sobretudo, era necessário nos libertarmos do jogador improvisado, da firula desnecessária, do malabarismo. Gentil Cardoso mandou escrever, no vestiário, frases que faziam parte da campanha contra o individualismo. Em letras garrafais via-se coisas como: ‘O PASSE DEVE SER DE PRIMEIRA’, ‘VOCÊ NÃO ESTÁ SÓ NA EQUIPE’, ‘QUEM DESLOCA, RECEBE’. […] Mané aguentou, de 53 a 54, todas as críticas e caçoadas que você possa imaginar. Só continuava no time do porque o Botafogo não tinha mesmo jogadores e pelo menos Garrincha, de vez em quando, driblava uma porção de sujeitos, provocava pânico e fazia gol. O pior para ele é que, pouco depois dele aparecer, o clube resolveu trazer de volta Zezé Moreira para treinador.
[…]
“Zezé mandou buscar uma cadeira do bar e colocou no campo. Danilo tinha que dar um passe ao Garrincha. A cadeira era o adversário. Mané, sem mesmo parar a bola, devia chutar, dando um passe pelas costas da defesa adversária, a fim que Paulinho, na corrida, entrasse para marcar o gol. Tudo combinado. Zezé apitou e ficou olhando. Danilo, de safadeza, deu o passe muito curto. Quando Mané sentiu que não dava, puxou a bola e deu um ‘come’ na cadeira […] Zezé disse que ele era burro, jogou o chapéu no chão e saiu bufando”.
“Garrincha para bancar inglês, não servia”, completou Nilton.
Botafogo e Seleção Brasileira
A partir de 1955, Garrincha começou a ter algumas passagens pela Seleção Brasileira, mas ele ainda era questionado, pela sua falta de disciplina tática em campo — afinal, nesta época, o futebol brasileiro sofria pressão para se “europeizar”. Foi apenas em 1957 que Mané se consolidou, após a conquista do Campeonato Carioca daquele ano. O Botafogo foi assumido pelo jornalista e militante comunista, João Saldanha, que montou um time de craques, com os titulares da Seleção Brasileira Nilton Santos e Didi, além de Quarentinha e Paulo Valentim. Na final do campeonato estadual, o Botafogo ganhou por 6 a 2 contra o Fluminense, com cinco gols de Paulo Valentim — sendo um de bicicleta — e um de Garrincha, que destruiu a defesa adversária com seus dribles desconcertantes.
Depois disso, Garrincha se consolidou como jogador e ganhou mais espaço na Seleção Brasileira. Às vésperas da Copa da Suécia, em 1958, no entanto, o futebol brasileiro ainda sofria muita pressão e os dirigentes da CBD (precursora da CBF) estavam influenciados por pesquisas pseudo-científicas que apontavam os jogadores negros como mais instáveis psicologicamente. Apenas Didi, o grande craque brasileiro naquele momento, e Dida, que era menos escuro que seu reserva (Pelé), eram negros no time que estreou na Copa do Mundo de 1958.
Antes da Copa, todos os jogadores foram submetidos a testes psicológicos e físicos. Buscava-se, de todas as maneiras, evitar novos desastres no Mundial. Pelé conta que ele e Garrincha foram os jogadores que mais foram submetidos a avaliações. O psicólogo da delegação brasileira, João Carvalhães, desaconselhou a utilização de Garrincha na equipe. Segundo ele, “Garrincha era mentalmente incapaz e teria de ser descartado” (“Futebol Brasileiro — Do início amador à paixão nacional”, Abrão Aspis, 2006).
A Seleção Brasileira começou ganhando a primeira partida do Mundial contra a Áustria. Depois, veio um empate em 0 a 0 contra a Inglaterra. O terceiro jogo, contra a União Soviética, favorita na competição, seria decisivo. Perdendo, o Brasil poderia ser eliminado. Nilton Santos e Didi se dirigiram à comissão técnica e pressionaram para que Garrincha, Pelé e Zito fossem titulares — o que foi ouvido pelo técnico Vicente Feola.
Contra os soviéticos, Garrincha e Pelé jogaram juntos pela primeira vez na história, iniciando uma dupla que nunca perderia na Seleção Brasileira. Esta dupla disputou 40 partidas pela Seleção Brasileira; foram 36 vitórias e quatro empates, nenhuma derrota. Na Copa do Mundo, eles protagonizaram “os três minutos mais incríveis da história do futebol”, como diria o comentarista francês Gabriel Hablot. Nos minutos iniciais, Mané Garrincha driblou toda a defesa russa e a Seleção Brasileira amassou os soviéticos. Segundo Nelson Rodrigues, “a desintegração da defesa russa começou exatamente quando Garrincha tocou na bola” (“Descoberta de Garrincha”, Nelson Rodrigues, Manchete Esportiva, 1958). Ao final da partida, Brasil 2 × 0 URSS.
Garrincha seria um jogador fundamental desta Copa, ao lado do garoto Pelé, de 17 anos. A defesa dos adversários ficava totalmente vulnerável para o ataque brasileiro, uma vez que sempre dois ou três marcadores deviam deixar suas posições para tentar segurar Garrincha. Na final, contra a Suécia, vencida pelos brasileiros por 5 a 2, os dois primeiros gols da Seleção, de Vavá, surgiram de jogadas espetaculares, e quase idênticas de Garrincha, pelo lado direito. Quando o juiz apitou o final da partida, o Brasil havia se consagrado campeão pela primeira vez na história. “Desde então, dois nomes passaram a ser reverenciados por todos os cidadãos do mundo: Garrincha, do Botafogo, no esplendor da forma aos 25 anos, e Pelé, 17 anos, jogador do Santos, que recém iniciava”, contra Abrão Aspis.
Depois da Copa do Mundo de 1958, o Botafogo de Garrincha se consolidaria como um dos melhores times do mundo, disputando a posição contra o Santos de Pelé. Dentre os onze titulares campeões daquela Copa, quatro estavam no Botafogo: Garrincha, Didi, Nilton Santos e Zagallo. Na Copa do Mundo de 1962, Pelé se lesionou na segunda partida e assumiu o seu lugar o atacante Amarildo, também do Botafogo. Nesta edição, disputada no Chile, o Brasil conquistou o bicampeonato, liderado por Garrincha e se consagrou como a principal força do futebol mundial. A Copa de 1962 foi declarada a “Copa de Garrincha”, que realizou atuações espetaculares, sendo artilheiro e “garçom” (assistências para gols) da edição, conquistando a Bola de Ouro.
A decadência
O Botafogo, com cinco dos titulares do bicampeonato, e ainda jovens jogadores como Rildo e Jairzinho, que se tornaram titulares da Seleção, passou a realizar diversas excursões internacionais para mostrar o futebol brasileiro mundo afora. Em muitos casos, o Alvinegro, que ganhou o apelido de “Glorioso”, deixava de participar de competições oficiais para ganhar dinheiro nestas excursões pela Europa. Garrincha, no entanto, não poderia faltar. Depois da Copa, diante da lesão de Pelé, o craque tornou-se o principal nome do futebol brasileiro. Era a “Alegria do Povo”. A partir de então, Mané, pela ganância dos dirigentes do Botafogo e de empresários europeus, jogaria as partidas mesmo sem condições físicas.
A partir de 1962, Garrincha começou a ter problemas no joelho e ficou quase sem poder andar, conforme conta o jornalista Mario de Moraes em “Futebol é arte” (2002). No entanto, não poderia nunca ficar sem jogar, pois, sem ele em campo, o Botafogo apenas receberia uma parte das cotas prometidas. Mané tomava injeções para poder jogar, conseguindo aguentar o primeiro tempo de uma partida, mas não o segundo.
Em entrevista ao jornal O Cruzeiro, em 1965, Garrincha contou: “Depois dos 45 minutos dava até vontade de chorar cada vez que eu chutava uma bola. Passei a evitar o corpo a corpo e a centrar para a área adversária. A torcida, que queria ver os meus dribles, não gostou, mas era o que eu podia fazer, para manter-me de pé até o fim da partida”.
Como conta Moraes, “dali em diante, ele nunca mais foi o mesmo endiabrado ponta, que deixava seus marcadores atônitos, sem saber o que fazer. Nem mesmo a cirurgia resolveu totalmente o problema no joelho”. Chegou a decadência. Em 1966, Garrincha jogou no Corinthians, disputando apenas 13 partidas. Ele ainda chegou a ir para a Copa do Mundo neste ano, disputando sua última partida ao lado de Pelé, no jogo vencido pela Seleção contra a Bulgária. Marcou um golaço de falta, mas já não era mais o mesmo jogador.
Depois, teve rápidas passagens por Portuguesa Santista, Fortaleza, Junior Barranquilla, Flamengo, Novo Hamburgo, Riograndense, Cordeiros e Olaria — quando se aposentaria em 1972. Sem conseguir atuar como outrora, e bebendo cada vez mais, Garrincha morreu “pobre e praticamente abandonado” em 20 de janeiro de 1983, com apenas 49 anos. Ao todo, foram 688 partidas e 268 gols marcados.